Falar sobre a morte é delicado. Desde o nascimento somos ensinados a ignorar a finitude da vida. Quando criança, primeiro pensávamos em ir para a escola, aprender a ler, fazer amigos e bagunça. Depois, com pressa, o objetivo era completar 18 anos para “tirar carteira de motorista”, poder “olhar filme de pelada” (ou seja, assistir a fitas impróprias para menores) e pensar em sair de casa,morar sozinho, para “fazer a vida”.
Mais tarde e com o decorrer do tempo os projetos giravam na busca de um bom emprego tendo à mão um diploma e o curso de datilografia/secretariado. Ao mesmo tempo sonhávamos em conhecer uma guria legal, noivar, casar e formar família. Neste enredo a ideia de morte não tinha espaço. Quem ousasse falar nisso era repelido, embora na minha época era comum a gurizada acompanhar os pais na ida a velórios e sepultamento na maior naturalidade.
A sociedade evoluiu, os tempos mudaram, mas a ideia de morte continua um tabu irremovível, constrangedor. Há poucos dias o ator Alain Delon, um símbolo sexual da minha geração, ganhou as manchetes ao delegar ao filho a responsabilidade de organizar a interrupção assistida de uma sobrevivência que perdera o sentido. É algo como reivindicar o direito à eutanásia.
Vítima de AVC que lhe roubou muitas funções orgânicas e motoras – mas não a cognição -, a decisão de Alain Delon se transformou em alvo dos “juízes” e ”moralistas” das redes (anti) sociais. Algo que tornou-se rotina nesta época de julgamentos sumários embasados em falso moralismo.
Ter a consciência de presenciar os próprios escombros deve ser um castigo terrível, insuportável. E isso não envolve apenas o caso de celebridades, mas de qualquer ser humano que perdeu o livre arbítrio sobre suas atitudes, dependendo sempre de familiares, enfermeiros e cuidadores.
O risco de chegar a este ponto tira meu sono, o que levou a conversar várias vezes com meus filhos, mas é tema árido. Os filhos rechaçam de pronto qualquer abordagem que faço a respeito de tornar-me um vegetal. “O lógico é que eu tenha trocado as fraldas de vocês. E não o contrário”, repito. Rezo para não chegar a essa condição. Quando acontecer exijo o direito de definir meu fim. Como o astro Alain Delon.
Gilberto Jasper
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