Gilberto Jasper
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Dia desses escrevi sobre recordações dos tempos de adolescente, bem coisa de jornalistas “das antigas”, do tempo das laudas, da diagramação em folhas quadriculadas e linotipo para impressão.
Falava dos cadernos de recordação e dos diários, preferência das gurias para registrar suas aventuras homenagens das amigas. Com 61 anos completados no último dia 7, um turbilhão de lembranças invadiu meu “escritório da pandemia” onde estou confinado há 15 meses. Pensei: existe lógica sobre as recordações que retemos por toda vida?
Os especialistas tentam explicar o que fica retido na memória. Existe todo tipo de pesquisa e levantamentos. Ouço com frequência que “a gente esquece coisas desagradáveis”, ou “deletamos as más notícias”, mas será que é assim mesmo?
Recordo com nitidez as reprimendas do meu pai dos tempos que morávamos na colônia. O velho Giba era um homem alto, de voz grave. Só o olhar já impunha medo. Quando eu e minha irmã aprontávamos e ele estava num cômodo distante, um assobio era suficiente “para acalmar a tropa agitada”.
Se a balbúrdia persistia os passos fortes no assoalho de madeira ecoavam. Aí a coisa piorava! Casos simples eram curados com um chinelo de couro. Contravenções graves exigiam uma varinha de marmelo que deixava marcas constrangedoras em nossas pernas.
Mas com mau pai também aprendi que o trabalho e o caráter são fundamentais ao ser humano. “Trabalha que vais conseguir tudo que queres” repetia. As lições estão na minha memória até hoje ao lado das experiências dolorosas. Ou seja, “coisas ruins” ficaram retidas. Isso, porém, não impediu que admirasse meu pai pelos princípios que me legou.
Às vezes exercito a imaginação para adivinhar sobre o que ficará em nossa memória sobre esses tempos ameaçadores. Não bastasse o vírus, a pandemia de intolerância, do ódio e da falta de solidariedade consomem amizades, corroem relações e ameaçam famílias.
Será que um dia saberemos o que, de verdade, nos faz reter lembranças, sejam boas e más? Será que ao longo destes meses todos vamos consolidar notícias funestas, repletas de números negativos – ao invés dos curados que somam mais de 95% – ou recordaremos as campanhas de solidariedade, dos gestos de empatia e da divisão de dores e afetos?
Só o tempo dirá.