Buenas,
Atualmente, está difícil fazer uma viagem, daquelas que a gente fica longe de casa, do país, do planeta (caso sejamos abduzidos) por vários dias. Os cuidados com a pandemia ainda tomam conta de nosso cotidiano, caso você habite esse singelo planeta azulado.
Aliás, essa vontade de viajar e conhecer o mundo é algo que me corrói desde que me conheço por gente. Não sei se acontece com todos, mas, para mim, viajar é uma das melhores coisas da vida, ao lado de comer, beber e dormir, todos prazeres sensoriais que só valorizamos quando os perdemos. Nesse ímpeto, já fiz treze viagens para a Europa, minha casa espiritual ou de outras vidas, diria, caso acreditasse nisso.
Não falo para esnobar, mas sim como mote para contar o quanto foi difícil chegar nesse número e afirmar que todos podem viajar, se for esse seu projeto de vida. Segue a evolução nos parágrafos abaixo…
Era a primeira vez longe dos meus pais; as cenas surgem como em um filme preto e branco. Entramos eu, no auge de meus 12 anos, e meus avós paternos, Seu Silas e Dona Elisa, em um ônibus de Santo Ângelo para Santa Maria onde embarcamos em um trem em direção à capital gaúcha. Não há como aqui descrever a expressão de felicidade e independência estampada no rosto daquele menino com a cara na janela, logo ele que tinha mapas do Brasil e do mundo decorando as paredes de seu quarto. Infelizmente, os trens e os mapas se foram, ao menos no Brasil, deixando uma saudade imensa.
Na próxima grande viagem eu já era concursado; havia encerrado o curso de formação na PRF há poucas semanas. Recebi uma carteira extraoficial do sindicato e, com ela, viajava de graça de ônibus, numa cortesia com a categoria, muito mal remunerada na época. Enquanto aguardávamos a nomeação em num pico de ousadia, convidei um colega para conhecermos Curitiba, que era cenário da novela “Sonho Meu”.
O “carteiraço” interestadual deu certo e, com 21 anos, saí do RS pela primeira vez. Tinha meia dúzia de trocados, meu colega tinha algumas folhas de cheque. Após circular pelos locais turísticos, tivemos de decidir se iríamos gastar os parcos recursos em um hotel ou voltar. Propus irmos até o Rio de Janeiro, onde a tia Eli iria nos acolher, conforme contato telefônico. Partimos rumo à suntuosa capital fluminense. Fizemos um belo passeio pela cidade maravilhosa, tendo que contar as moedas para irmos aos museus, praias e subirmos ao Corcovado e Pão de Açúcar, além de comer alguma coisa, claro, sem o glamour das novelas.
A volta foi um perrengue! Não aceitaram nossa “carteira” sindical de polícia e não tínhamos dinheiro para comprar passagens. Após gastar muito do meu latim, conseguimos a autorização para voltar. Encaramos 24 horas de ônibus até a capital, mais 6 horas até o interior. Nessa parte final da viagem estava tão cansado que dormi sentado no banheiro do ônibus, pois estava lotado e eu viajava em pé. Nessa idade, toda complicação vira diversão e aprendizado. Aliás, penso que deveria ser assim em qualquer idade, porém…
Alguns anos depois, veio a primeira viagem de avião. A viagem foi de graça, através do “Correio Aéreo Nacional”, em um bimotor da Força Aérea Brasileira, com bancos de madeira, muito utilizado por paraquedistas. O avião voltava com poucos passageiros para São Paulo. Mesmo sem hesitar em embarcar nessa jornada, fiquei tenso a viagem toda; o avião voava baixo naquele céu azul, distante das nuvens. Ao desembarcar, ainda com tremor nas pernas, ouvi de um dos poucos passageiros, que fora a viagem mais tranquila que ele já fez. Para mim e minha inexperiência aérea, tinha certeza, era a mais tensa da vida.
Poderia ficar páginas e páginas comentando sobre viagens, tenho tantas histórias, que dariam mais de um livro de viagens, mas façamos de pronto a ponte aérea com a Europa.
Havia separado há um ano, consegui vender o apartamento que financiei dez anos antes e paguei todas as dívidas que eu não tinha até o casamento e dois filhos, ficando com alguns poucos vinténs. Tentando superar o momento, lembrei que o dinheiro da entrada daquele imóvel era para a tão sonhada viagem internacional. O coração pulava em meu peito ao ver a primeira passagem para Paris com meu nome. Com o resto do dinheiro passei meus dias comendo baguete e tomando vinho nacional, perambulando pelos museus…
Não pensem que tudo foram flores. A falta do domínio da língua quase me fez dormir na rua na primeira noite, dividi quarto em albergues da juventude. Para completar, uma dor absurda tomou conta do meu joelho direito. “Um manco em Paris” era o nome do filme que mentalmente eu redigia. Teria de operar o joelho quando voltasse, pensava. Mesmo assim, nada impediu de eu rever tudo aquilo que os livros e filmes me apresentaram ao longo da vida. Ao chegar no calor dos trópicos, a dor sumiu. Mistérios…
Voltei para minha vida, que nunca mais seria normal, pois tornei meus caminhos mais ousados. Meu tempo livre servia para planejar a próxima viagem, traçar rotas e escolher destinos. Trocar de carro, um apartamento maior, alugar casa na praia? Tudo era esquecido, considerando a próxima viagem…
Se vocês também foram contaminados pelo vírus “viajante“, sabem que não tem vacina que acabe com ele. Mesmo que superficialmente, relatar as viagens que me apresentaram o mundo, ajuda-me a aplacar os efeitos desse vírus. Quando reabrirem os aeroportos e eu tiver tomado a vacina para “aquele” outro vírus, certamente já estarei de malas prontas.