Buenas!
Natal é aglomeração! Ponto de exclamação, fim de crônica, posso largar a caneta e levantar uma taça, fazer um brinde e, principalmente, abraçar o parente mais próximo! Porém, não é bem assim, não nesse ano completamente atípico na vida de quase todos os habitantes do singelo planeta azul que habitamos…
Retomando o domínio da caneta, posso dizer que esse brinde natalino não será como dantes, no reino de Abrantes. Aliás, a expressão original portuguesa que prega a estabilidade e o continuísmo, mesmo diante de uma guerra, como fora a napoleônica, no caso da cidade de Abrantes, é diametralmente o oposto do que vivemos nesse ano que finda. Não seria o natal isento dos efeitos causados pela pandemia que nos assola. Vivemos um período instável, que apregoa o distanciamento social.
Aproveito a oportunidade para confessar que não sou muito fã da aglomeração proporcionada pelo Natal. Isso não tem a ver com a pandemia, já não era antes. Por que temos que ter ânimo em uma data anual pré-marcada para encontrar parentes, pais, mães, irmãos, gatos, cachorros, periquitos e agregados? Essa função e obrigatoriedade faz com que, para mim, a data perca um pouco de seu brilho.
Isso sem contar a propensão ao consumismo, tanto de presentes quanto de comilanças, situações que não condizem com a origem da data. O nascimento de Jesus deveria marcar o sentimento de natividade, ao menos para os ocidentais de culto cristão, a celebração da renovação, celebrar a vida que surgiu e se foi por nós, segundo os textos bíblicos, ao invés de servir para fomentar compras, mesas fartas e beberagens sem medida.
Esse é um dos motivos de minha pouca afeição às comemorações natalinas. Ao analisar melhor, dou-me conta que o buraco é um pouco mais embaixo. E vou além, constato que o problema não é só comigo. Enquanto muitas pessoas preparam-se com antecedência para o Natal, enfeitam suas casas, fazem compras, traçam planos de orgias gastronômicas, eu e uma parcela da população (pequena, tenho certeza) ficamos um tanto rançosos nessa época. Por quê?, pergunto-me, já sabendo a resposta. Vamos a ela.
Como sempre faço em minhas crônicas, escrutino o passado para compreender o presente. Só assim consigo tentar projetar o futuro! Olha que frase de impacto, a proximidade das datas festivas me deixa inspirado.
Como falei, vasculhei meu passado natalino e nele encontrei outro Alessandro, um menino de cabelos castanhos e lisos aparentando seis anos, bastante ansioso diante da expectativa de ver o Papai Noel. Revejo a porta dos fundos da casa do meu avô, ela tinha uma janela que permitia ver a área de serviço. Uma dúzia de primos esperavam na ponta dos pés a chegada daquele homem, diria melhor, daquela entidade.
Eis que, para felicidade geral da nação de primos, a porta se abre, permitindo visualizar um cidadão rotundo com roupa vermelha de barras brancas, touca da mesma matiz, botas e cinturão preto, carregando um saco bem grande, ostentava uma barba branca em seu rosto de tez um pouco escura.
A alegria dos primos era inquestionável! Todos pulavam no mesmo lugar de felicidade diante do Papai Noel em pessoa. Eu, um dos mais novos, tomado de curiosidade típica da idade e acentuada em mim, aproximei-me com cautela. Será de verdade?, perguntei-me, já respondendo para meus botões ansiosos que sim, ele existia e estava ali!
Eis que, após esse diálogo mental, mesmo diante da luz amarelada do local, chego perto o suficiente para tocar em sua mão, sentir o calor daquela pele quente em pleno dezembro. Estava radiante…
Então meu mundo desmorona. Não consigo ater-me ao presente que tanto aguardava. Minha atenção foi sequestrada para o dedo indicador daquele homem no átimo de segundo em ele me alcança o pacote: ele não tinha a ponta do dedo, ostentando somente um cotoco de unha… Entendo que essa informação não tenha grande valor para minha meia dúzia de leitores, porém, para mim, foi revelador. E agora?, perguntou-se o menino.
Musa das ilusões infantis, por que me abandonaste nesse Natal para nunca mais habitar minha imaginação? Caso não tenham percebido, amigos leitores, aquele dedo era de meu saudoso avô paterno, ele estava vestido de Papai Noel entregando presentes àquela dúzia de netos…
Vida que segue, voltemos ao Natal de 2020, que motivou essa crônica. Sim, admito sem dificuldades que tenho saudades absurdas daquelas aglomerações natalinas e inocentes na casa de meu avô, quando aquele monte de primos corria pelo pátio, dos joelhos esfolados e da roupa encardida, para desespero das mães, quando brincávamos sem nos preocupar com nosso amanhã.
Pois o amanhã chegou, tornou-se o hoje, um hoje complexo. Nele, sou obrigado a admitir que preferia mil vezes ir contra minha natureza saudosa e taciturna. Eu adoraria fazer uma aglomeração, seja com primos que hoje estão distantes, seja com meus avós que já partiram, seja com parentes próximos.
O momento ímpar nos impede de realizarmos reuniões festivas. Mesmo assim, sugiro celebrarmos, ao menos, a saudade dos natais de outrora, por mais que os atuais tenham a ilusão infantil desfeita, por mais que tenhamos de nos reunir por videochamada.
Dia 24 vou largar a caneta, trocá-la por uma taça e por algumas ligações, fazendo um brinde ao que mais importa: à vida, tão valiosa sempre e, mais ainda, nos últimos tempos…