Ministério Público Federal protocolou ação civil pública com depoimentos de pessoas que alertaram sobre o pagamento de valor milionário à Santa Casa enquanto o Instituto administrava o Hospital
Nesta semana, quando tornado público o pedido do Procurador da República Rodrigo Graeff para que a Justiça condene o prefeito Ico Charopen (PDT), o ex-secretário de Saúde, vereador Enrique Civeira (PDT) e o ex-procurador-geral do Município, Ramzi Zeidan, em uma ação civil pública por improbidade administrativa, muitos questionamentos ficaram no ar; o principal deles é: onde foram parar os R$ 2 milhões que, segundo o Ministério Público Federal (MPF), foram desviados da Santa Casa? A inicial já está para a análise do juiz federal Lademiro Dors Filho, da 1ª Vara Federal de Sant’Ana do Livramento e pede o afastamento de Ico por 180 dias.
O pedido de 72 páginas é embasado com detalhes sobre uma investigação de desvios de dinheiro público do Sistema Único de Saúde (Sus). O documento relata desde a contratação do Instituto Salva Saúde para a administração da Santa Casa de Misericórdia do Município, através de uma dispensa de licitação com base em uma “suposta” situação de calamidade pública na cidade, até o pagamento de R$ 2.178.479,79 para o Hospital, referente ao teto de produção não realizado pela instituição até maio de 2019, ou seja, antes da administração do Salva Saúde. A mesma investigação desencadeou na operação Sem Misericórdia, deflagrada na semana passada em pelo menos 11 cidades do Rio Grande do Sul e do Espírito Santo.
ALERTA NA CONTABILIDADE
Um dos primeiros alertas sobre a empresa veio da contadora da Secretaria Municipal de Saúde, Tatielli Cavalheiro. Em depoimento, ela afirmou que o setor fez uma pesquisa do Instituto Salva Saúde, quando se noticiava sua contratação. Segundo ela, eles perceberam que o Instituto tinha iniciado suas atividades apenas cinco meses antes, causando preocupação. Meses depois veio a solicitação verbal, através do secretário de Saúde à época, para que fizesse a autorização de empenho do valor de R$ 2.178.479,79. Ela teria afirmado ao secretário Enrique Civeira que só faria mediante a apresentação de documento, pois não concordava com o pagamento, já que havia decisão judicial contrária ao pagamento, além de contrariar o próprio contrato.
Em seu relato, a contadora Tatielli Cavalheiro contou que a comissão, em tese, deveria fiscalizar a execução do contrato de gestão firmado com o Instituto Salva Saúde, mas que nunca funcionou de fato. A Comissão era composta pelos réus no processo, o vereador Enrique Civeira e Ramzi Zeidan que foram nomeados pelo prefeito Ico.
CRONOLOGIA
No dia 16 de julho de 2019, o então procurador-geral Ramzi Zeidan emitiu parecer opinando pela liberação dos recursos retidos, sob a condição de apresentação de plano de recuperação das metas não alcançadas dentro do prazo contratual.
A Unidade de Controle Interno (UCCI) da Prefeitura reuniu-se com integrantes do Audisus, que se mostraram preocupados quanto aos repasses financeiros realizados pelo Município à Santa Casa de Misericórdia. Na oportunidade, integrantes do Audisus esclareceram que o Instituto Salva Saúde reivindicaria valores relativos a serviços não realizados.
NA JUSTIÇA
O Instituto Salva Saúde chegou a impetrar um Mandado de Segurança na Justiça Estadual para que o Poder Executivo Municipal fosse obrigado a repassar a integralidade dos recursos do Sus em razão do não cumprimento das metas estabelecidas. O remédio constitucional foi negado pelo poder judiciário.
Mesmo ciente dessa orientação, o prefeito Ico solicitou ao setor de Contabilidade que fosse feita autorização de empenho no valor de R$ 2.178.479,79 à Santa Casa de Misericórdia, esclarecendo, expressamente, que se trata de valor referente ao teto não realizado da produção SIA e SIH até maio de 2019. O Departamento de Contabilidade do Município orientou o prefeito que, com base em decisão proferida pela Justiça Estadual após a impetração de mandado de segurança, não fosse empenhado o montante em questão.
Contrariando a decisão judicial e o Departamento de Contabilidade do Município, ainda em 16 de agosto de 2019, o prefeito Ico Charopen determinou administrativamente a emissão da nota de empenho com valor total de R$ 2.178.479,79, com recursos oriundos do Fundo Nacional de Saúde. “Constata-se, deste modo, que os réus não desviaram-se dos seus objetivos, embora tenham recebido, em mais de uma oportunidade, diversos alertas de que a conduta praticada revestia-se de ilegalidade”, destaca o Procurador Rodrigo Graeff, no documento.
FUNDO DE INVESTIMENTO
Segundo o MPF, parte do recurso pago à Santa Casa, foi aplicado em um fundo de investimento, após solicitação do prefeito Ico. O valor do depósito seria o equivalente a R$ 700.000,00. Os demais recursos também foram direcionados ao Instituto Salva Saúde São Gabriel pela prestação de serviços, bem como à empresa Outcast. “Ocorre que, curiosamente, o Instituto Salva Saúde São Gabriel tem como associado-presidente o réu Jan Christoph Lima da Silva, o qual também é representante e presidente do Instituto Salva Saúde. Somando-se a isso, de modo a demonstrar ainda mais a fraude praticada pelos demandados, a empresa Outcast Gestão Eireli – ME, também “contratada” pelo Instituto Salva Saúde, compõe o seu rol de associados”, explica o Procurador destacando que a representante da Outcast, é também secretária do Instituto Salva Saúde.
PEDIDOS
Na inicial, o Procurador da República fez vários pedidos, entre eles o afastamento do prefeito Ico por 180 dias; a indisponibilidade dos bens de todos os réus, até o valor de R$ 4 milhões; a suspensão da intervenção no Hospital; a proibição do Prefeito (ou seu substituto) de realizar nova contratação com o Instituto Salva Saúde ou empresas administradas pelos réus; a condenação dos réus Ico, Civeira e Ramzi Zeidan na lei de improbidade administrativa.
CONTRAPONTO
A assessoria do prefeito Ico Charopen foi procurada, mas até o fechamento desta edição não se manifestou. A Plateia não obteve retorno do médico Jan Christoph Lima da Silva, tampouco dos demais citados na ação do MPF. A defesa do ex-procurador geral Ramzi Zeidan e do ex-secretário de Saúde, vereador Enrique Civeira mandou uma nota que você confere na íntegra a seguir:
“Ao escritório Fernando Alves Advocacia causa estranheza que o procurador da República, dr. Rodrigo Sales Graeff, mesmo tendo ciência de que o dr Ramzi e o vereador Enrique Civera, foram envolvidos em supostas irregularidades no Instituto Salva Saúde, com base em boatos, ainda movimente o Judiciário. Isso mesmo com o desfecho de uma minuciosa e longa investigação realizada pela Polícia Federal de Santana do Livramento que não encontrou qualquer indício de práticas delituosas.
Sem indiciamento e tampouco figurando como alvos da operação “Sem Misericórdia”, desencadeada pela PF, nossos clientes sofrem novo constrangimento sendo colocados na condição de suspeitos em uma Ação de Improbidade Administrativa movida pelo procurador.
Cabe frisar que o Vereador Enrique Civera, quando este ocupava o cargo de Secretário Municipal de Saúde, jamais realizou qualquer tipo de repasse de verbas públicas a institutos ou organizações civis. Os repasses eram feitos diretamente ao Hospital, sempre após criteriosa análise do AUDISUS. Prova disto é que o Vereador, quando Secretário Municipal de Saúde, foi processado pelo Instituto Salva Saúde por não ter repassado as verbas públicas.
Nesta mesma toada o Dr. Ramzi, quando Procurador do Município apenas proferiu pareceres jurídicos, todos embasados na legislação pátria, não possuindo qualquer poder para tratar com verbas públicas.
Como a ação ainda não foi objeto de análise do Magistrado Federal, sendo que, em 90% das ações de improbidade que tramitam na Justiça Federal, os Juízes determinam as partes manifestarem-se antes de decidirem sobre pedidos liminares do Ministério Público Federal (o que deverá ocorrer no presente caso), qualquer manifestação defensiva mais aprofundada neste momento poderá intervir diretamente na demanda.
Cabe referir, também, que a empresa em tela contratou outras prefeituras, inclusive com a Prefeitura de Cachoeirinha no período de Pandemia, sendo que inexistia na época de contratação com a Santa Casa de Misericórdia, qualquer informação que desabonasse a pessoa jurídica em testilha”.