Em 1983, Maria da Penha Maia Fernandes sobreviveu a duas tentativas de feminicídio impetradas pelo então marido, o economista colombiano Marco Antonio Viveros. Forte e resiliente, desde então, ela tem lutado tanto para chamar a atenção sobre o inferno vivido pelas mulheres a ponto de seu nome batizar a lei que tipifica o crime de agressão a mulheres. Com tudo o que passou, ela confessa se sentir assombrada pelo fato de uma parcela da sociedade ainda insistir em culpar as vítimas pelas violências sofridas.
No espectro da violência contra a mulher – trazido à tona no contexto da pandemia pelo alarmante aumento de 44,9% nos atendimentos prestados pela Polícia Militar de SP a mulheres vítimas de violência em levantamento solicitado pelo Banco Mundial –, há vários submundos. O mais assustador e revoltante é o feminicídio, que, por exemplo, em resultado do mesmo estudo do Banco Mundial, quadruplicou no Rio Grande do Norte, pois, de um caso em março de 2019, subiu para quatro no terceiro mês de 2020. Já a segunda edição da pesquisa “Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil”, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, revela que 59% das brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência no decorrer de 2018. E o pior é o fato de o autor do episódio mais grave de violência relatado ser conhecido das vítimas em 76,4% dos casos – sendo 23,8% namorados/cônjuges/companheiros.
No início de setembro, o Ministério Público do RS apresentou o balanço das ações da instituição em 2019: dos 316.775 inquéritos policiais recebidos pelo MP/RS, 72.272 estavam relacionados com a Lei Maria da Penha; das 82.333 denúncias oferecidas, 15.711 tratavam de violência contra a mulher.
Como a violência têm múltiplas facetas, uma delas é a psicológica, que paralisa e bloqueia. O ciúme patológico, a partir da obra de Shakespeare, originou a Síndrome de Otelo. Os portadores do transtorno apresentam comportamentos inaceitáveis, baseados no medo de perder a parceira ou o poder que ela representa para um rival e na desconfiança excessiva e sem fundamento. Uma das dificuldades para diagnosticá-la é a possibilidade de haver outra psicopatologia dominante no indivíduo. Pode coexistir com qualquer outro diagnóstico psiquiátrico, tanto distúrbios paranoides, psicoses orgânicas, psicoses alcoólicas, esquizofrenias; como pode estar associado a quadros depressivos, ansiosos e obsessivos. E uma das comorbidades mais comuns com a presença do ciúme patológico é o Transtorno Narcísico de Personalidade e, em segundo grau, o Transtorno Delirante de Ciúmes.
A provocação, então, é para lembrar de todas mulheres e dos tipos de violência ao qual são submetidas pelo grau de toxidade e destruição. E, muitas vezes, essas vítimas são nossas conhecidas, vizinhas, primas, amigas, mães e filhas. Este círculo vicioso precisa ser rompido.