A nova rotina dos profissionais da saúde que estão na linha de frente no combate ao COVID-19
Frente à chegada da pandemia do novo Coronavírus (COVID-19) ao Brasil, diversas mudanças ocorreram. Uma delas foi na rotina dos profissionais da saúde que, se em tempos considerados normais, já é bastante movimentada, agora frente ao grande índice de pessoas infectadas, torna-se ainda mais.
Desde o início da onda de contaminações, o Brasil já acumula mais de sete mil servidores da saúde afastados e 53 mortos pelo COVID-19. Além disso, não é raro encontrar casos de pessoas que passaram a sofrer com problemas psicológicos por conta do stress, sobrecarga de trabalho e também pela preocupação de se contaminar e contaminar outras pessoas, principalmente membros da família.
Em locais com grande incidência da doença, há relatos de médicos, enfermeiros e técnicos em enfermagem que optaram por deixar as suas casas temporariamente para evitar o possível contágio de seus familiares. Há poucas semanas, um vídeo, onde um médico se emociona ao chegar em casa e não poder abraçar o filho pequeno que o esperava na porta, ganhou grande repercussão nas redes sociais.
Engana-se quem pensa que situações como essas são exclusividade de grandes centros. Aqui, em Sant’Ana do Livramento a situação também se repete. Para entender como estão vivendo os profissionais da linha de frente do combate ao Coronavírus e conhecer as suas rotinas e histórias, a reportagem do jornal A Plateia reuniu três histórias que você confere a seguir:
A primeira é a da médica Alina Esteves Macedo, que atua na ala COVID, onde ficam os pacientes em isolamento na Santa Casa de Misericórdia da Cidade. Com mais de 30 anos de atuação na área, Alina conta que as principais mudanças já começam na porta de casa. “A chegada é deixar os sapatos do lado de fora e entrar direto pra tomar um banho, trocar de roupa. Higienizar as mãos antes de ir para o banheiro e usar álcool em gel”.
As relações com a família também foram afetadas. “Inicialmente as minhas filhas foram pra campanha com o meu esposo. Ficaram lá por mais de 30 dias e agora estão na cidade, mas é dentro de casa só. […] Depois o isolamento da minha mãe também, que é mais idosa. Depois do meu banho eu vou lá, fico de longe, tenho saudade dos beijos e dos abraços, mas infelizmente temos que fazer isso para proteger”, pondera.
Já no trabalho, o uso do EPI é imprescindível em todos os momentos e também os cuidados com o ambiente que, de acordo com a médica, é higienizado e desinfetado. Em seu consultório, o esquema de agendamento foi implementado. “A gente decidiu que atenderia só três vezes na semana, com horário marcado, com intervalo entre um paciente e outro e limitando os acompanhantes a um por pessoa, porque, normalmente, vai mais de um”, explica.
Quanto à sobrecarga de trabalho, a médica diz que, no momento, a cidade está em uma situação relativamente tranquila, se comparada com outras regiões do estado, o que contribui para que a demanda se mantenha normal. “Neste momento que está bastante tranquilo, que não tem internado casos suspeito […] agora, se realmente chegar em um momento que haja muitos casos internados, confirmados, aí acho que é uma coisa a ser revista”, pontua.
Outro ponto destacado pela doutora foi a saúde mental. “Foi uma transformação imensa. Eu não sei mais o que é dormir uma noite inteira […] é realmente esse stress que a gente fica, essa preocupação por causa dessa mudança toda que teve na vida das famílias. […] Isso vai deprimindo a gente, não tem como separar […] a gente acaba trazendo pra casa essas situações”.
Já para a Coordenadora da Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), Camila Isquierdo, a principal preocupação era em relação à segurança. “A mudança de rotina foi mais sobre como eu ia proteger a minha equipe, principalmente o descarte dos EPI’s após o uso. No início foi bem difícil, todo mundo preocupado, muitos atestados, mas nos saímos bem, ninguém se contaminou”, comenta.
Ainda sobre a segurança, Camila diz que não houve grandes mudanças, mas sim um reforço em hábitos já existentes, como o uso de EPI’s e higiene das mãos. “Trabalhamos 12 horas por dia, muitos dos colegas não estavam acostumados a usar todos os equipamentos por tanto tempo, mas agora já está mais fácil”.
Embora a situação já esteja normalizada, segundo a coordenadora, os primeiros 15 dias da pandemia foram os mais críticos, por causa da falta de pessoal, as folgas tiveram que ser cortadas, o que causou uma certa sobrecarga na equipe.
Mesmo com a rotina normalizada, Camila conta que ainda é difícil descansar totalmente após a jornada. “A gente não consegue. A cabeça segue funcionando, tu sai daqui e segue preocupada com os pacientes. Na tua folga tu acaba trabalhando, não tem como não se preocupar, a gente é humano e se põe no lugar das famílias, porque muitas pessoas não puderam visitar seus entes queridos”.
Quando perguntada sobre o que deseja fazer após o fim deste período, Camila projeta que tudo volte ao normal. “Primeira coisa que pretendo fazer é sair, voltar ao normal. Poder ir na casa de um amigo, da família. Viver a vida que hoje foi adiada”.
Em casa, o cenário é ainda mais desolador. “Não poder beijar, manter a distância, não compartilhar um chimarrão, ter que chegar em casa entrando pela porta dos fundos na hora das refeições não sentar junto à mesa. Isso, pra mim, me causa uma sensação de desamor. (Parece) que a família está se desestruturando, (isso) está me afetando bastante”, pontua.
Embora tenha descrito a situação como uma preocupação constante, não só pelo distanciamento, mas também pelas questões relacionadas aos cuidados com a saúde e os riscos que a profissão apresenta, Claudia planeja o futuro com esperança. “Quando isso tudo acabar, em primeiro lugar, eu quero agradecer a Deus por ter me dado forças, por ter me livrado de todas as coisas que poderiam ter acontecido. Quero poder chegar em casa e dar um abraço nas pessoas que eu amo”.
Murilo Alves
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