MP aponta prefeito Ico como suposto líder de organização criminosa
Na manhã dessa sexta-feira (27), dezenas de policiais militares e civis, agentes do GAECO e do Ministério Público do RS, desencadearam a “Operação Parceira”, em Sant’Ana do Livramento, que teve como alvo o afastamento do prefeito municipal Solimar “Ico” Charopen Gonçalves (PDT) e mais 8 pessoas ligadas a ele, por supostas irregularidades relativas à contratação da OSCIP da Educação.
O Ministério Público do RS, por meio da Procuradoria de Prefeitos, cumpriu os mandados judiciais de afastamento do exercício do cargo do prefeito Solimar Charopen Gonçalves, do procurador Jurídico Ramzi Ahmad Zeidan, dos secretários de Administração, Fernando Gonçalves Linhares, da Saúde, Carlos Enrique Civeira, da Fazenda, Mulcy Torres da Silva, e da Cultura, Desporto e Turismo, Maria Regina Prado Alves, dois assessores do Gabinete do Prefeito – Anderson Dias Carvalho e Rodrigo Weber de Souza – e da Diretora do Sistema de Previdência do Município (Sisprem), Valéria Argiles da Costa, pelo prazo de 90 dias. ‘
Foram cumpridos 15 mandados de busca e apreensão na Prefeitura Municipal de Sant’Ana do Livramento e residências dos investigados, entre outros endereços, bem como nos municípios de Porto Alegre, Novo Hamburgo, Torres e Bagé. As medidas foram determinadas pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
A operação, denominada “Parceria”, decorre da alusão ao Termo de Parceria firmado entre uma OSCIP e a Prefeitura Municipal na área da educação sem que houvesse qualquer fundamento legal, revelando um verdadeiro “compadrio” entre as partes.
Investigação
A investigação revelou um esquema criminoso capitaneado pelo prefeito, auxiliado por servidores do alto escalão da Administração Municipal, para a contratação da OSCIP – Ação Sistema de Saúde e Assistência Social, por meio do Termo de Parceria n. 01/2018 e do Termo Aditivo de Parceria n. 001/2018, no valor total de R$ 18.316.009,70, para realizar desvios milionários do erário municipal e proporcionar enriquecimento ilícito de agentes públicos (mediante o recebimento de vantagens indevidas) e privados. Do valor total da contratação, o Município já repassou recursos na ordem de R$ 16.571.294,28. Desse montante, segundo auditoria realizada pelo TCE/RS, a contratação causou prejuízo aos cofres municipais na ordem de R$ 3.394.753,33.
A investigação trouxe fortes evidências da existência, no âmbito Municipal de Sant’Ana do Livramento, de uma verdadeira organização criminosa que atuou intensamente no sentido de fraudar e direcionar, tanto a contratação direta, quanto o Concurso de Projetos 001/2018, deixando evidente que a contratação foi apenas um artifício utilizado pela Administração Municipal para justificar e realizar uma dispensa ilegal, fraudulenta e direcionada, para – ilegalmente – intermediar a contratação de professores e pessoal de apoio para as escolas da rede pública municipal de ensino, o que causou prejuízo financeiro aos cofres públicos e à comunidade escolar, dada a descontinuidade do processo de ensino no Município.
A investigação também revelou que o Chefe do Executivo, além de ter pleno conhecimento das ilegalidades acerca da contratação, utilizava seus assessores e parte de seu secretariado para agirem em benefício de interesses particulares, valendo-se de coação a funcionários para que fossem destinados recursos públicos à OSCIP.
Nosso governo não será de perseguição
Com o afastamento do prefeito Ico Charopen, quem assumiu o cargo foi a vice-prefeita Mari Machado (PSB). O ato de posse aconteceu na manhã da sexta-feira (27) após as partes serem notificados. O presidente da Câmara de Vereadores, Maurício Galo Del Fabro, foi convocado a ir até à prefeitura para fazer a lavratura de posse que foi realizada no gabinete de Mari Machado. “Nós recebemos essa notícia com muita tristeza como santanenses, não era o que nós queríamos para a nossa cidade. Mas, agora vamos fazer um trabalho com transparência como sempre foi feito em nossa gestão. Infelizmente, estive afastada do governo, contrária à minha vontade, desde 2018 sem poder exercer os meus direitos, mas agora é um novo momento. Nós temos os próximos três meses para trabalhar e colocar a casa em ordem, sempre com muito respeito com as pessoas e, sobretudo, com muita transparência”, disse a prefeita no ato de posse.
Mari deixou claro em sua fala que pretende enxugar o número de secretarias e de CCs, nos próximos 90 dias, período de afastamento do prefeito Ico Charopen. Já na sexta-feira ela convocou uma reunião, a portas fechadas, com todos os vereadores na Prefeitura Municipal, para alinhavar os próximos passos. “Pretendemos manter um governo com a participação de todos e da comunidade e, principalmente, com planejamento. Em um momento de crise é que temos que mostrar união. E a população pode ficar tranquila porque a nossa cidade tem prefeita”
Prefeito apontado como chefe da organização criminosa
O procurador-geral de Justiça do Estado, Fabiano Dallazen, em entrevista à Rádio Gaúcha, na manhã dessa sexta-feira (27), frisou que não há dúvidas quanto a participação do prefeito Ico Charopen no esquema criminoso, sendo que por inúmeras vezes ele foi notificado por pessoas ligadas ao governo como secretários, sobre esses procedimentos duvidosos em relação à contratação da OSCIP.
“A nossa investigação tem cerca de um ano. Embora se relacione a fatos de 2018, ela se baseava em uma própria auditoria feita pelo Controle Interno do município e do Tribunal de Contas do Estado que fez uma auditoria e vários apontamentos. A partir de fatos, nós instauramos um expediente investigatório e passamos a colher depoimentos e fazer cruzamentos de dados e quebras de sigilos. Hoje, nós cumprimos esses 15 mandados. Inicialmente tivemos que pedir, cautelarmente, o afastamento no período inicial de 90 dias do prefeito, do procurador do município, do secretário de administração e secretário de saúde, secretário da fazenda, secretária de cultura, procurador, diretoria do sistema de previdência e dois assessores do gabinete, em virtude de vários fatos em relação à perseguição de servidores e testemunhas com relação a este contrato (contrato assinado com a OSCIP)”.
Segundo o Procurador, a conversação para a contração da OSCIP – Ação Sistema de Saúde e Ação Social se deu, num primeiro momento, para administração e gestão da Secretaria da Saúde, em 2017, e após a proposta receber uma forte oposição do secretário de saúde, na época, decidiu-se então contratar a mesma empresa para gerir a contratação de professores para a Educação. “Esse secretário, depois, foi afastado pelo prefeito por demostrar oposição diante das ilegalidades que estavam sendo tramadas. Como não foi possível a realização dessa contratação na área da Saúde foi montada uma licitação e essa empresa foi contratada sem ter nenhuma expertise ou atuação na área da Educação, para contratar professores e funcionários para dar apoio às escolas municipais. Para isso, o município fez um termo de parceria, e daí vem o nome da operação, inicialmente no valor de 9 milhões e 800 mil reais por seis meses, e depois mais seis meses no valor de quase 9 milhões, totalizando assim mais de 18 milhões de reais, dos quais 16 foram empenhados, e destes, 14 milhões foram pagos. Numa apuração inicial do Tribunal de Contas do Estado se identificou um desvio de mais de 3 milhões especialmente sobre aquilo que era contratado. Na prestação de contas é possível verificar irregularidades gritantes onde o município de Livramento passou a pagar assessorias jurídicas e contábeis de outros municípios e isto nós também estamos apurando. Durante o processo de investigação, por exemplo, os promotores encontraram rescisões de contrato de servidores de outros municípios como prestação de contas sendo pago pelo município de Sant’Ana do Livramento”, apontou.
O procurador-geral de Justiça do Estado, Fabiano Dallazen, disse ainda que o prefeito Ico Charopen foi muito alertado pelos contadores do município, pelo controle interno. “Neste sentido, todos os servidores que apontavam as ilegalidades passaram a ser perseguidos com sindicância, exonerações. Esta investigação demostra que essa era uma prática para forçar a contratação dessa OSCIP, não deu na área da Saúde daí se coloca na área da Educação onde ela não tinha nenhuma expertise, por meio de uma licitação praticamente montada para justificar a sua contratação e isso incorre em crime licitatório, além de associação criminosa e crime de responsabilidade. Estamos também apurando porque há fortes indícios de crime de corrupção por parte de quem estava recebendo dinheiro para que isso acontecesse. Era um mecanismo todo dentro da estrutura do município por isso o afastamento de tanta gente “
Ainda nas palavras do procurador-geral de Justiça do Estado, Fabiano Dallazen: “Ele foi alertado de todas as maneiras, participou de todas as reuniões, fez a assinatura do contrato. Sendo inclusive alertado sobre todas as inconveniências e irregularidades e, a partir daí, ele passou a determinar a perseguição daqueles servidores e secretários que lhe alertavam. Dentro desse esquema, ele é o primeiro e o mais importante de todo este esquema. Ele determinou a contratação dessa OSCIP na área da saúde, não foi possível, então ele determinou que fosse feito na área da educação. Inclusive, nós temos comprovações de que ele foi alertado que não havia dotação orçamentária, não havia dinheiro para efetuar esses pagamentos. E isso foi tudo formalizado e mesmo assim ele determinou que se passasse por cima de tudo isso e se realizasse. Ele tinha conhecimento de tudo que estava acontecendo. Nós temos muitas provas, e vamos juntar com todo esse material que foi aprendido hoje, que com certeza nos dará novos desdobramentos daqui para a frente”
Apreensão de arma de fogo e 10 mil reais
Durante as diligências nas casas dos investigados, as equipes realizaram a apreensão de vasta documentação e equipamentos como aparelhos celulares, HDs, além de outros objetos. Na residência do Procurador Jurídico do município, Ramzi Ahmad Zeidan, foi encontrada uma pistola Tauros/9mm sendo o mesmo encaminhado para a Delegacia por porte ilegal de arma de fogo. Já na residência do secretário geral de governo e da Saúde, Carlos Enrique Civeira, foram encontrados a quantia de 10 mil reais.