Buenas!
Sim, ainda há guerras, fome, crise climática, aquecimento global e eleições, temas complexos e deveras relevantes para nossa existência planetária. Mas e as lendas, que não são eternas, o que faremos sem elas?
Na última semana, perdemos Cid Moreira, alguns meses atrás, se foi o Sílvio Santos, ambos nonagenários. O primeiro, multimilionário. O segundo, bilionário. Mas não eram lendas por causa disso. Eles eram isso, porque tornaram-se lendas quase na mesma área: a comunicação.
O primeiro, foi o maior apresentador de telejornal da história deste país. O segundo, o maior apresentador de entretenimento que a nossa televisão já viu. Cada um com um estilo: um sério quase a carreira toda, com sua voz trovejante, o segundo com um timbre afinado e sempre sorridente.
Ambos usaram a voz e sua imagem para cativar milhões de brasileiros, tornando-se referência para qualquer um que pensasse em atuar na mídia, imortalizando as expressões: “Boa Noite!” e “Quem quer dinheiro?” como se fossem só suas…
Suas vozes eram tão marcantes que, apesar de não haver uma estatística que comprove minha afirmação, tenho certeza: eram as vozes mais imitadas de toda a história brasileira. Não há humorista ou adolescente em início de carreira – que possuem a mesma verve motivacional, ou seja, tentam rir de tudo um pouco –, que não tentou imitar a dupla.
Eles, ao longo de décadas, entraram em nossas casas com a nossa vênia. O primeiro trazendo as notícias e acontecimentos cotidianos, com a seriedade que sua voz grave pedia. O segundo com bom humor e piadas jocosas que, na maioria, seriam proibidas nos dias atuais, mas que rimos hectolitros domingo sim domingo também até meados da primeira década deste século.
O primeiro se reinventou após deixar a bancada do maior telejornal do país, que comandou por 26 anos. Marcou o Fantástico, apresentando o mágico Mister M, e tornou a bola da copa de 2010, a famosa Jabulani, inesquecível. Quando empregou sua voz para a leitura da Bíblia, tornou-se quase divino para seus fãs.
O segundo tentou fazer o inverso, largando os palcos e entrando para a política, chegando a candidatar-se a presidente. Felizmente, para seus fãs, não deu muito certo e voltou para o que fazia de melhor, entreter o brasileiro nas tardes de domingo.
Uma curiosidade que escapa para muitos, é que eles, apesar da idade avançadíssima, nunca se aposentaram. Cid, aos 97 anos, tinha sua carteira de trabalho assinada pelo seu empregador, para quem fazia trabalhos esporádicos como narrador e locutor. O outro, apesar de já ter repassado as empresas e o microfone para os filhos, ainda participava e dava conselhos.
Cid Moreira ao nos deixar, foi para o mesmo lugar que Sílvio Santos, por mais que tenham origem familiar e religiosa distintas, ambos acabaram mortos e enterrados. Ou cremados. Até aí ainda há possibilidade de escolha, após isso, só há o desfazimento corporal. Para o primeiro é lento, arquitetado por vermes e pelo tempo; o segundo é imediato, promovido pelo fogo, não o metafórico do inferno dantesco, mas o real e definitivo, de uma fornalha moderna.
Os dois fizeram muito enquanto vivos, inegável. E, como toda lenda, não serão esquecidos. Tenho curiosidade de saber se foram felizes. Pela amostra do que vimos em vida, foram, mas é uma amostra social. No seu íntimo, será que foram felizes?
Penso que, cada um de nós, que não somos nem seremos lendas, que não fizemos nada tão marcante quanto a dupla acima, poderíamos aprender um tanto com eles. Ao fim e ao cabo, o que fica é que homens como eles fizeram o que gostavam e tinham talento.
Vocês não têm a impressão de que eles nunca trabalharam na vida? Antes de me xingarem, falo aqui do conceito bíblico do trabalho. Deus, ao expulsar Adão e Eva do paraíso, os amaldiçoou a ganhar o pão de cada dia como castigo, lembram?
As lendas acima não trabalhavam, na definição bíblica. Eles se deleitavam com seus afazeres, com responsabilidade, é verdade, e muita criatividade. Por isso, e não só por isso, conquistaram seu espaço e fortuna, fizeram parte de nossa mesa de jantar, sentaram ao nosso lado no sofá da sala.
A minha filha, que está por completar 21 anos em breve, não compreenderá o alcance do que digo e de quem falo. Não a culpo. O conflito entre as gerações é uma das molas propulsoras da criatividade e da ampliação do conhecimento.
Inclusive, tento identificar quem poderia ser as lendas da sua geração e constato, com algum desalento, que não são do tamanho das que formaram a minha geração.
Sim, estou defendendo o meu quinhão, não nego. Entretanto, compreendam meu protecionismo. Tenho certeza que ela fará o mesmo quando estiver com a minha idade e fizer a sua avaliação dos tempos atuais, comparando com os tempos de sua formação.
Outras lendas basilares de nossa formação estão nos deixando, outras tantas irão, para nossa tristeza. Lamentar não resolve, mas ajuda a superar o processo e voltar ao jogo.
Que jogo? O jogo da vida, do qual não pedimos para participar, simplesmente nos deram uma camiseta, mandaram calçar as chuteiras e entrar em campo. O que podemos fazer é tentar achar nossa melhor posição em campo e dar nosso melhor, mas nunca esquecendo de nos divertir no processo. A partida não tem hora certa para acabar. Poder durar 90 minutos ou mais de 90 anos, ao menos para para algumas lendas.
Bom jogo para todos!