Existe um conceito desenvolvido pelo Barão de Itararé que se aplica muito bem ao cinema. De onde menos se espera é que não vai vir nada mesmo. Menos mal que existem exceções a essa regra, e que ainda conseguimos ser surpreendidos de tempos em tempos.
Senão vejamos… prequelas, histórias de origem, normalmente entram na jogada quando não se consegue tirar nada mais da história, não se tem como continuar, então se resolve contar pra trás, a origem de personagens e situações. Continuar filmes antigos é um perigo… quem viu as catastróficas sequências de Halloween e O Exorcista lançadas ano passado sabe disso. Por isso normalmente os bons diretores e roteiristas fogem desse tipo de projeto, e quem acaba pegando eles são os picaretas, os que encaram qualquer negócio.
Essa prequela de A Profecia está circulando a uns dez anos… já teve inúmeros diretores e roteiristas atrelados a ela, foi para todos os lados possíveis (roteiros vão parar na internet, e a gente fica sabendo de tudo) e a julgar pelos inúmeros diretores, bons e ruins, que vazaram do projeto, parecia que nunca ia sair do inferno de desenvolvimento, o lugar aonde ficam os projetos que ainda não receberam luz verde para serem desenvolvidos/filmados. Em 2016 o diretor brasileiro Antônio Campos assumiu o projeto, desenvolveu múltiplos roteiros com seus parceiros, ficou esperando sinal verde para começar a produção… esperou… esperou… e acabou saindo quando viu que o negócio não ia prosperar. O negócio só foi pra frente quando a iniciante Arkasha Stevenson, ligada à série Legion, assumiu o leme. Com ela se desenvolveu um roteiro que foi aceito pelos financiadores e, após anos e anos, foi dada luz verde para começar a produção.
Por que discorrer tanto sobre circunstâncias que podem não interessar ao espectador ‘comum’? Para lembrar que projetos confusos assim, que vão passando de mão em mão através dos anos, normalmente acabam se tornando filmes fracos. Ficam ideias desconexas de inúmeros roteiros que foram desenvolvidos através dos anos, quem assume normalmente não queria fazer exatamente aquilo e trabalha no piloto automático, os executivos metem o bedelho e acabam dando inúmeros palpites que diretores fracos e que não se importam com o resultado final acabam acatando… é a receita para o fracasso. Que, surpreendentemente, não ocorrem em ‘A Primeira Profecia’, uma bela surpresa para os fãs de horror.
‘A Profecia’ é um filme de 1976 sobre a infância do anticristo, o filho do demônio. É um daquelas clássicos indiscutíveis do gênero, um dos melhores filmes de horror da história. ‘A Primeira Profecia’ trata do nascimento do próprio, acompanha uma freira em um orfanato e várias jovens problemáticas, e padres mal intencionados alinhados com o Cramulhão… tendo esses elementos em mãos a diretora montou um filme tenso, carregado de suspense, com várias cenas legais. E demonstrou conhecer a mecânica do gênero: prepara bem os seus sustos, não fica se escorando na praga dos jump scares, aqueles ‘sustos’ provocados quando se aumenta o volume de repente, tão comuns nos dias de hoje com diretores que não sabem o que fazer. A diretora tem repertório e referências ótimas: o horror corporal de David Cronenberg, o clima extenunante de Possessão de Andrezj Zulajski, as imagens sacrílegas de ‘La Bete’, do polonês Walerian Borowczyc, para não falar do clima do filme original… tudo está lá, para o deleite dos fãs do gênero tão maltratados nos últimos anos com filmes genéricos, fracos e infantilizados. Aqui é horror pra gente grande.
Para um filme que ninguém queria que tivesse sido feito ‘A Primeira Profecia’ acaba revelando-se um belo filme de horror, melhor que todas as sequências da série original. Escribas experientes, como Rebecca McKendry, da (revista de horror americana) Fangoria, o consideram melhor que o original. Não chego a tanto… mas que vale muito à pena… isso vale.
No momento ‘A Primeira Profecia’ se encontra disponível para download digital nas plataformas de sempre (Youtube, Amazon, Yahoo). Como é uma produção da Fox deve entrar em breve no streaming da Disney, já que este irá se fundir com o Star+ no final do mês.
