qua, 25 de dezembro de 2024

Variedades Digital | 21 e 22.12.24

A PRESSA NOSSA DE CADA DIA NOS DAÍ HOJE…

Buenas!

– “Meu Deus, meu Deus! Vou chegar atrasadíssimo!”

– Onde vais com tanta pressa?, pergunta Alice ao coelho branco que passa correndo, sem estranhar o  fato dele usar colete e falar!

– Não sei, só sei que tenho de ir! E rápido!, respondeu o coelho.

– Por que tens de ir e com tanta pressa?, continua a menina de cachos dourados.

– Não sei ao certo, só sei que preciso ir!

– Quem determina tua pressa?, questiona a curiosa moça.

– O meu celular, digo, meu relógio!

 

Desculpem, caros leitores, tentei ser cômico, vão concordar, se tiverem seu tanto de boa vontade. Fiz uma adaptação de um diálogo de “Alice no país das maravilhas”, de Lewis Carroll, publicado em 1865, na Inglaterra. 

Não tive a pretensão de imitar a verve criativa do britânico, longe de mim. A brincadeira veio a calhar pois o mote de sua história aborda, à sua maneira, os questionamentos que movem minha escrita de hoje: onde vais com tanta pressa, humanidade? Quem coordena teus passos?

A resposta da segunda pergunta, nos tempos de Carroll, era o relógio de bolso, que tornou-se prático em meados do século XIX. Ele acelerava a vida do homem, cobrava pressa, compromissos eram balizados pelo pêndulo pendente na algibeira dos coletes, como o do coelho. Eram tão relevantes, que, décadas depois, Santos Dumont, encomendou um relógio de pulso ao seu amigo, o relojoeiro Cartier. 

Aliás, um comentário histórico. O brasileiro não patenteou nem o relógio de pulso, que ajudou a popularizar, muito menos o avião. Já seu amigo Cartier tornou-se mega rico com a venda de seus relógios, famosos até hoje. Voltemos aos coelhos, agora o meu.

Ele tem a resposta da segunda pergunta na ponta da língua, assim como vocês, leitores: o celular coordena meus passos. Literalmente. Fico a imaginar o que diria o escritor britânico caso tivesse em suas mãos este aparelho que faz o ser humano acelerar sua rotina como nunca antes na história da humanidade. Talvez nem tivesse escrito seu livro, ocupado que estaria olhando para seu budget – que é como os jovens chamam as quinquilharias eletrônicas atuais

Hoje, a população mundial é de pouco mais de 8 bilhões. Vocês sabiam que existem 8,4 bilhões de celulares ativos? Claro que muitas pessoas têm mais de um e um bom bocado não têm acesso aos aparelhos. Mesmo assim, são engenhocas demais mundo afora, comprovando que a criatura dominou o seu criador.

Vamos botar fogo em tudo! Desistir deles, fugir para as colinas, viver como ermitão sem acesso à internet ou estes cacarecos produzidos pelo demônio com o único propósito de conquistar a humanidade. E o fez, com sucesso inquestionável.

Não dá, eu até queria, mas sou fraco, não consigo me livrar deste negócio, ele é mais forte que eu… Porém, penso que posso encontrar alguma pitada de esperança e, talvez, reaver minha alma que há muito foi levada por tal aparelho: adaptação! Foi assim que o ser humano sobreviveu a si e as intempéries que lhe cercam desde que passou a andar ereto, há mais de 4 bilhões de anos.

Em Pádua, na Itália, criaram uma adaptação da sinaleira de pedestres. Quando está vermelha para o pedestre, o caminhante, com o tal aparelho na mão, não olha para o sinal do outro lado. Eles colocaram uma espécie de lanterna, que projeta a luz vermelha no chão, na faixa de pedestres. Já que a pessoa fica olhando para o objeto em suas mãos, já vê a luz que proíbe sua passagem e evita um atropelamento.

Em recente visita a uma grande empresa do RS, comentei sobre os perigos de dirigir usando o celular, a atitude que mais causa acidentes na atualidade. Após a palestra, funcionários comentaram comigo que a empresa instituiu uma regra: nenhum funcionário pode caminhar dentro da empresa manuseando o celular. Se alguém precisar usar o aparelho, deve parar, encostar-se na parede para dar passagem no corredor e manusear seu objeto de veneração, digo, celular.

Notaram o quão revolucionário é a decisão? No trânsito ele é perigosíssimo, inclusive para pedestres. Com tal atitude, ela pode reduzir as chances de acidentes de trabalho, evitando tropeções dos funcionários que estariam caminhando e vendo algum vídeo edificante de uma influenciadora fazendo dancinha e trocando de roupas no automático ou um jovem bem apessoado dando dicas de como ficar igual a ele, claro, comprando seu plano.

E a resposta da primeira pergunta? Nem o coelho muito menos Alice saberiam responder. Nem os mais estudiosos filósofos da atualidade podem afirmar com certeza que sabem para onde caminha a humanidade. 

Caminha não, corre, galopa, na velocidade da troca de telas e de novos modelos de budget – tive que repetir a tal palavrinha importada, desculpem. O que é certo é que, já que não dá para derrotar o inimigo, quando ele é muito forte, dá para sobreviver a ele. Uma tática é, vez ou outra, dizer: deu, vou desligar a internet, vou desligar o celular, vou conversar com alguém pessoalmente – lembra, aquela coisa que se fazia num passado distante – ou ler um livro. Lembra dele?

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