Buenas!
Dia destes recebi uma carta registrada. O carteiro precisava da minha assinatura e, por sorte, estava em casa. Quando voltei para meus afazeres pesei a imagem que ficou em minha mente: o carteiro, um trabalhador que faz entregas e, em geral, caminha quilômetros todos os dias, estava com sobrepeso considerável. Para ficar mais claro, estava obeso.
Antes de me atacarem, interpretem o texto e, caso não compreendam meu arrazoado inicial, amplio o argumento nos próximos parágrafos. Não julgue afoitamente, apressado leitor, já disse meu escritor preferido. Machado de Assis também tinha que se defender por críticas mordazes e mal compreendidas, vez ou outra.
Voltemos ao carteiro. Cativou-me a atenção o fato de um trabalhador que caminha profissionalmente e muito ter sobrepeso. Então para que serve o exercício obrigatório do cidadão? Pode ser que ele “tenha tireóide”, como os antigos costumavam dizer. E aqui não faço julgamentos, somente análise. Aliás, mantendo a balança na temática, viram que a Organização Mundial da Saúde (OMS) desaconselha o uso de adoçantes em dietas de controle de peso?
O adoçante foi condenado pois, segundo o documento, não comprovou benefícios a longo prazo e pode ampliar os riscos para diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e mortalidade em adultos. Em contrapartida, o ovo, que já foi condenado no passado, continua absolvido. Felizmente, porque gosto muito. Já o adoçante não me faz falta, pois o café tomo sem açúcar há mais de uma década!
Os revisionismos históricos estão aí para quem quiser e puder fazer. Além do adoçante, a política também passa por processo semelhante. Um vereador de Caxias do Sul, Serra Gaúcha, detratou a cultura e o povo baiano num discurso inflamado no último fevereiro. Foi criticado por todo o país e está sendo processado judicialmente por racismo, além de sofrer processo de impeachment. Para sua felicidade e pelas regras da Câmara de vereadores local, foi salvo de perder o mandato por um voto.
Pediu desculpas, tentou se retratar; disse que exagerou ao mesmo tempo em que nega os crimes que estão sendo imputados a ele. Pensem comigo, se este discurso tivesse sido proferido antes das últimas eleições, teria a recepção crítica que teve ou seria ovacionado? Agora, será que o judiciário irá “passar pano”, como os colegas que o mantiveram no cargo, ou fará jus à fama acolhedora que os gaúchos sempre tiveram…
Ele não foi o único a sofrer revisionismo histórico. Deltan Dallagnol teve seu mandato na Câmara dos Deputados cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Por decisão unânime, ele não é mais deputado federal. Segundo os juristas, ele se demitiu da procuradoria com processos disciplinares internos ainda vigentes. Baseados na Lei da Ficha Limpa, ele se torna inelegível.
Não sou jurista nem nunca serei, mas tenho curiosidade para compreender um pouco de tudo. Há alguns anos, durante a operação lava-jato, ele usou o rigor da lei para enquadrar e encaminhar os pedidos de prisão do então ex-presidente Lula. Hoje, passados alguns anos, a lei o atinge em cheio. E Lula, depois de ser um líder mundial, passou uma temporada preso e execrado por boa parte da nação, voltou ao poder através do voto popular da maioria da população.
Quanto revisionismo! Contudo, esquivando-me do mérito da questão, foco em um fato provado e comprovado: o mundo gira e a Terra é redonda! Não há filósofos, vivos ou mortos, que provem o contrário. Deltan, um outrora paladino da lei e da ordem, palestrante requisitado país afora, agora teve suas “franjas de algodão” expostas. Leram o conto “A igreja do Diabo”, publicado em 1884 por Machado de Assis? Deveriam!
Conta ele que o Diabo resolveu fundar uma igreja para si. Animado, resolve comunicar previamente a Deus, o todo-poderoso, que não faz nada para impedi-lo. A igreja do Diabo faz muito sucesso, pois “Todas as virtudes cuja capa de veludo acabava em franja de algodão, uma vez puxadas pela franja, deitavam a capa às urtigas e vinham alistar-se na nova igreja. O Diabo alçou brados de triunfo.”
Com o tempo, muitos dos novos fiéis começaram a praticar os antigos costumes. Indignado, ele procura Deus, que profere: “ – Que queres tu, meu pobre Diabo? As capas de algodão agora têm franjas de seda, como as de veludo tiveram franjas de algodão. É a eterna contradição humana.”
É um curto resumo de um dos melhores contos machadianos. Não precisaria, mas comentarei, afinal, é para isto que aqui estou.
Dentro da eterna contradição humana, deixamos rastros de nossos interesses e vontades. Com o passar do tempo, surgem os revisionismos históricos que nos apresentam facetas que, muitas vezes, não queremos rever ou, no mínimo, não temos tanto interesse nelas. Porém – meu sempre lembrado porém – a sociedade está aí para mudar de opinião e entrar em contradição, certa ou não!
Tanto o adoçante quanto os políticos citados acima sofreram revezes porque toda capa de veludo possui suas franjas de algodão. Não importa o quanto tentamos esconder tais franjas, dependendo do tanto que nos expomos, diante de inevitáveis revisionismos, as franjas ficam mais à vista e suscetíveis a puxões alheios…
Aproveitando a publicação da OMS, vou focar no ovo, que continua liberado, e me manter longe dos adoçantes! E, para não perder o embalo, bem longe da política, afinal, também tenho minhas franjas de algodão…