Buenas!
Conseguimos, o Brasil entrou para o calendário internacional das atrocidades. Não temos furacão, não temos terremotos, mas tivemos a invasão e destruição dos prédios que representam os três poderes da República. Com muito esforço de algumas almas aqui nascidas, conquistamos o direito a ter um dia nacional da infâmia.
Não há como ser inédito, outros colunistas já usaram este título ao longo da segunda semana deste conturbado janeiro. A expressão ficou famosa após discurso do presidente Franklin Delano Roosevelt reagindo ao covarde bombardeio japonês à base norte-americana de Pearl Harbor, em 1941.
Covarde é o mínimo que podemos chamar o que aconteceu em Brasília, domingo, dia 8 de janeiro de 2023. Descontentes com o resultado das eleições, um bando de tresloucados migraram para a capital do país e se juntaram àqueles que acampavam diante do QG do Exército.
Por motivos que ainda serão investigados, mas já se mostram escusos, o efetivo da polícia militar do Distrito Federal foi reduzido na véspera do evento infame, apesar dos alertas dos órgãos de inteligência de agências como a ABIN e ANTT. Ou seja, a prevenção falhou acintosamente.
Contudo, apesar da falha de segurança, nunca, em hipótese alguma, um crime lesa-pátria desse nível, poderia ser arquitetado, que dizer, consumado. E ele estava se desenhando, estava sendo alardeado via redes sociais, há meses. Não podemos dizer que foi uma surpresa, de todo.
O que podemos afirmar que foi surpresa, isso sim, foi a dimensão da barbárie, dos atos de infâmia praticados pelos arruaceiros transtornados. No caso ocorrido em 1941, foi um país atacando outro. Aqui não, foram pessoas que se dizem patriotas que atacaram seu solo pátrio. Não só isso, os símbolos que dão sustentação a tão importante e, por isso mesmo, frágil democracia…
As desculpas foram as mais estapafúrdias.
O Brasil, que passou por períodos de exceção com Getúlio e com a Ditadura Militar, viveu algumas rusgas nos últimos anos. As Diretas Já foram pacíficas, já as manifestações de 2013, não foram só pelos 0,20 centavos, redundando em muita quebradeira.
Porém – e este é um dos poréns dos mais relevantes –, nada se comparou à violência cega do domingo pretérito. Ouvi pessoas comparando os atos dos black blocs, ocorridos há dez anos, iniciados em Porto Alegre e que depois se estenderam para o Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília foram similares. Nem pensar!
Aquele movimento, que também não foi pacífico, teve portas de bancos quebradas e chegaram a destruir vidraças do Supremo Tribunal Federal. Entretanto, foram reprimidos com força e recebidos com tropas de choque e balas de borracha. Domingo, o policiamento era pífio, e fala aqui alguém que já teve que atuar como policial em manifestações e bloqueios de rodovias, em que foram empregadas ações das tropas de choque. Felizmente, nunca presenciei ninguém ferido, nem de um lado, nem de outro, nas ações em que me envolvi.
Doeu muito ver aquele policial montado a cavalo ser atacado por um bando de selvagens tresloucado, lembrou atos de selvageria dignos de filmes que retratam tempos medievais. Não vivemos tempos medievais, senhoras e senhores!
Doeu mais, saber que pessoas ditas de “bem”, defensores da família e da pátria, usaram a defesa da bandeira brasileira para atacar policiais, para destruir obras de arte inestimáveis, para vilipendiar o bem público. Se é público, é de todos nós, o que não dá o direito a ninguém, não importa a vertente política, a destruir o que pertence a todos os brasileiros.
Alguns citaram a queda da Bastilha, em Paris, em 1789, como objetivo dos selvagens, para derrubar o governo. Gente, naqueles tempos, tínhamos um rei, Luís XVI, e toda uma corte, vivendo há séculos do trabalho vassalar de seu povo. No Brasil, houve uma eleição que ninguém – vou repetir para ficar claro, ninguém – provou que houve algo de errado, muito pelo contrário, diversos países elogiaram o sistema eleitoral brasileiro.
O resultado foi apertado sim, não há dúvida que o Brasil está dividido, mas não quando a vitória foi para o outro candidato, há quatro anos, ninguém foi quebrar a capital do país. Muitos ficaram tristes, mas sobreviveram ao seu mandato, à sua pífia administração do momento mais difícil do último século, a pandemia da covid-19, fora o resto. Mas, repito, ninguém quis quebrar os símbolos da República!
Uma parcela da população quer imitar os americanos. Não precisamos fazer isso em tudo, principalmente em coisas que deram errado, como a invasão do Congresso, após incitação do derrotado Trump, há dois janeiros atrás. Cinco pessoas morreram, inclusive policiais, e centenas foram presos, alguns continuam presos, felizmente.
Fernando Pessoa disse, através de Álvaro de Campos: “Nunca conheci quem tivesse levado porrada. Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (…) E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído, Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear? Eu, que venho sido vil, literalmente vil, vil no sentido mesquinho e infame da vileza.”
Então, quem sabe, possamos deixar de ser infames, a exemplo de sua sincera autocrítica e, claro, ironia?