– Fica tranquilo, viaja, vai para casa de um amigo e deixa o resto com a gente!
– Tá ok isso daí! Vai parecer que não tenho nada a ver com isso? Se der certo, vitória!, se der errado, a culpa não é minha!
– Perfeito! Deixa com a gente, há muitos militares nos apoiando, muitos não, mas quando a gente começar, o povo vai vir com a gente.
– Tenho apoio popular, o povo já me autorizou. Estas eleições foram fraudadas, de novo!
– Depois de tudo resolvido, vamos para a capital e tomamos o poder! Selva!
– Selva!
Não, caros leitores, o diálogo acima, apesar de parecer muito, não é de integrantes do grupo que virou réu no STF agora em 2025 por golpe de Estado, dentre outros crimes. Apesar de parecer muito, não trata da invasão e destruição do Congresso Nacional, do STF e do palácio do governo, nem do ataque aos símbolos da tão cara e frágil democracia brasileira.
Muito menos foi proferido por militares que em 1964 derrubaram o governo eleito e tomaram o poder por 25 longos e torturantes anos. É certo que tiveram apoio de uma significativa parcela da população, esse apoio ruiu rapidinho após as primeiras prisões arbitrárias, perseguições e o criminoso Ato Institucional nº 5, que entrou para a história como AI-5…
Na verdade, o diálogo acima é mais ou menos o que se sucedeu entre Oswaldo Aranha e Getúlio Vargas, em meados de 1930. Após perderem as eleições que eram sabidamente fraudadas pois eram realizadas em papel impresso com mínimo controle externo – muito diferente de hoje em dia –, Oswaldo Aranha, um exímio articulador político e militar, dominou quartéis no Rio Grande do Sul e teve apoio de outros revoltosos no Nordeste, em Minas e em SP.
O golpe foi executado com sucesso, levando Getúlio ao poder, para o bem e para o mal, passando por um período ditatorial e flerte com o nazismo, mas também criou as leis trabalhistas que mudaram o cenário do trabalhador brasileiro.
Talvez aquele finalzinho, aquele selva não tenha sido proferido por Oswaldo Aranha, um homem de ação e com vasta cultura, muito diferente dos atuais golpistas. Deixemos o crédito à liberdade poética, liberdade tão cara nos discursos, tão difícil ver praticada por governo autoritários…
Tais governos tentam justificar suas atitudes tresloucadas criando um inimigo perverso que deve ser combatido à exaustão. Nos EUA de hoje são os imigrantes e os países estrangeiros. Nos EUA do macarthismo pós II grande guerra, qualquer um podia ser acusado de traição, afinal, o fantasma comunista estava presente em todos os lugares.
No Brasil de Getúlio, após o Estado Novo em 1937, Filinto Muller, foi um dos mais ativos perseguidores de “inimigos” que já tivemos. Dizem que Ustra era amador perto dele que, no auge do nazismo, torturou,prendeu e mandou para o fornos de Hitler muitos “inimigos”, dentre eles, Olga Prestes, grávida.
Aliás, não fosse a lucidez de Oswaldo Aranha, Filinto teria levado o Brasil a se aliar ao Eixo fascista, ao invés dos Aliados. O resto é história…
Se as pessoas soubessem o valor das palavras, iriam pesar um pouco mais suas afirmações tresloucadas. E há as meias-palavras, os incentivos velados, que podem levar à invasão de congressos, como vimos nos EUA – claro, somente nos EUA –, e a atentados terroristas, como aquele maluco que queria explodir caminhões tanques em Brasília, em 2022.
Pensam que o povo evoluiu sua capacidade interpretativa desde então? No final de Abril, um caminhoneiro utilizou seu instrumento de trabalho para atacar um posto policial da PRF, no Distrito Federal. Atingiu duas viaturas que, por sorte, não tinham nenhum policial dentro.
Apesar da figura cômica, ele afirmou, com todas as letras, que realizava um “atentado terrorista” para defender seu político de estimação, que está sob julgamento. Ele não é, caros leitores, somente mais um motorista bêbado. Ele remete, sem sombra de dúvidas, aos extremistas religiosos que atacam festas populares na Europa, dizimando vidas a cada atentado.
Afinal, ambos são movidos por uma fé inabalável em suas crenças. Os extremistas religiosos focam em seus livros sagrados, os extremistas políticos nas mensagens das redes que abarrotam seus celulares. E ninguém os demove da paixão irrefreada por seus ídolos. Haja vista Trump, após tudo que fez, ter sido eleito novamente…
Falando do poder das redes sociais, preciso falar da série mais comentada nas redes sociais do mundo: Adolescência. Impossível sair indiferente daqueles quatro episódios magistralmente filmados em plano-sequência, sem cortes.
Mais admirável ainda é a interpretação dos atores, principalmente, de Owen Cooper, que interpreta o menino de treze anos acusado de matar uma colega de colégio. Aliás, o episódio do colégio é emblemático, pois mostra o quanto estamos – pais e professores – reféns do mundo virtual que os jovens de hoje habitam.
A proibição do uso do celular em salas de aula no Brasil e em boa parte do mundo é um progresso, mas não esqueçam que a maioria dos adolescentes ficam muito tempo em casa com smartphones, videogames e computadores conectados a qualquer influência do mundo!
Não sei vocês, mas eu fico feliz de meus filhos já estarem criados. Eles tiveram celulares sim, mas num período menos crítico do que o atual. Aos pais e mães – e viventes de hoje em dia – recomendo filtrar bem o que chega pelas redes, seja você um adulto fã de políticos, mais ainda se for adolescente.
E, do fundo do meu coração, desejo boa sorte…