Buenas!
A VIDA PRESTA!
Quando a Fernanda Torres disse, improvisada e empolgadamente, que a vida presta, ela não sabia que criaria um dos bordões mais repetidos pelos brasileiros. E olha que falamos de tempos em que surgem celebridades e bordões no café da manhã que não sobrevivem ao café da tarde!
Atendendo a expectativa de boa parcela da comunidade cultural ocidental, ela foi indicada ao Oscar de melhor atriz, repetindo o feito de sua mãe, a imortal Fernanda Montenegro, que estrelou o magistral “Central do Brasil”, em 1999, também dirigido por Walter Salles.
E o diretor emplacou seu filme “ Ainda estou aqui!” como melhor filme estrangeiro, feito gigantesco nesta indústria cruel, que é o cinema, mas já conquistado no passado. Contudo, desta vez, o seu filme foi indicado a melhor filme. Simples assim!
Aos detratores do cinema e da cultura nacional, que alegaram ser uma bobagem comemorar uma indicação, saibam que isto é tão raro para nosso cinema, que devemos sim, comemorar que os estrangeiros estão reconhecendo o quanto somos bons! E, com isso, chutar para bem longe nosso complexo de vira lata, como já determinou Nelson Rodrigues após a conquista da copa de 1958.
Se dermos uma olhada com calma, nem a Nanda e nem o Walter precisavam estar trabalhando. A Nanda é muito bem sucedida desde a adolescência, já tem uma Palma de Ouro em Cannes, em 1986. O Salles é filho de banqueiro, herdeiro de uma mega fortuna. Apesar disso, eles investem e se dedicam à arte. Neste filme, fizeram o resgate de uma memória pessoal da família Paiva, mas também coletiva.
Memória que parece um tanto volátil nos últimos tempos. Acreditam que há pessoas que pedem ‘intervenção militar’ em pleno século XXI? Outras que tentaram destruir as sedes dos três poderes da nação, algumas planejaram golpes de Estado. Parece que esqueceram das vidas que foram destruídas, perseguidas e torturadas em nome de um governo e sua ideologia. Será que esqueceram ou não estão nem aí para os fatos?
Eu cá de minha parte digo que não há como esquecer. Apesar de minha descrença, esta é a função do filme: lembrar, dentre outras coisas, que Eunice Paiva foi obrigada a viver com a memória de um marido morto e desaparecido, além de arranjar forças para criar cinco filhos. E foi além, formou-se e lutou pelos direitos humanos indígenas. O destino foi cruel com ela, teve Alzheimer, que a derrubou, não de uma vez, mas ao longo de período muito dolorido para a família…
Mesmo com a doença, segundo seu filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, que escreveu o livro em que baseou o filme, ela tinha lampejos, como aparece na cena final, quando a Fernandona, aos 95 anos, faz um pequena participação. Com a sutileza do olhar e de um sorriso diante da tevê que transmitia notícias a favor da democracia, Eunice nos diz: “ainda estava aqui”…
Como vimos aqui com a anistia ao apagar das luzes do golpe de 1964, varrer crimes para debaixo do tapete nunca foi o caminho. Entretanto, foi o que fez o recém-empossado novo mandatário da Casa Branca. Ele perdoou mais de 1500 invasores do Congresso Nacional. Pessoas que, tresloucadas por discursos motivacionais de um mentecapto que não aceitava a derrota, destruíram patrimônio público, o Congresso, e mataram policiais.
Sim, eles mataram e isso foi esquecido, ignorado. Nos EUA, devolveram o poder àquele que incentivou o ataque a um dos principais símbolos da maior democracia do mundo, o Congresso. Como podem esquecer disso?
Talvez, do mesmo jeito que algumas pessoa esqueceram o que é uma saudação nazista. Elon Musk disse que fez uma saudação romana. Tolinho! quer dizer, tolos são aqueles que não querem enxergar que ele fez uma saudação para se comunicar com seu público.
Ele, depois de eleger Trump, está investindo no partido de extrema direita alemão. Ele fez claramente uma saudação “sieg heil”, ‘viva a vitória!’ (copiada dos romanos mas adaptada por Hitler), para seguidores americanos e do resto do mundo. Não esqueçam que ele é filho de um oligarca sul-africano. Seu pai enriqueceu no período do Apartheid, quando os negros e pobres eram segregados na África do Sul.
É fácil acusá-lo de apologia ao nazi-fascismo, que é exatamente o que ele quer. Dinheiro ele já tem, agora quer poder e holofotes. O gesto não foi ao acaso, foi planejado e executado à perfeição.
E a manipulação não vem de hoje. Carlo Ginzburg, historiador italiano, autor do clássico “O queijo e os vermes”, conhece muito bem do assunto. Ele cita uma frase do ditador Benito Mussolini, muito praticada pelas atuais lideranças da ultra-direita norte-americana e pelos seus seguidores brasileiros: “As massas não deveriam saber, mas sim, acreditar!” O pai de Ginzburg, que era professor, foi perseguido, perdeu o emprego, lutou contra o fascimo e acabou preso e morto pelos nazistas alemães, em 1944.
Ele não esquece o que foram aqueles tempos, apesar de perder o pai aos cinco anos. Nem os filhos de Eunice. E deveria ser assim com todos nós, mesmo que não tenhamos perdido parentes. Não sei vocês, mas o filme me passou a sensação de perder um ente muito querido de uma maneira brutal, não só um representante político, uma pessoa da família! As lágrimas não podiam ser contidas…
O Brasil é carente de ídolos. Em geral, os encontramos no esporte. Quem aqui não torceu pela Rebecca Andrade? Agora temos uma atriz que também é escritora, alguém com uma bagagem cultural ímpar, poliglota, com um bom humor inquestionável.
Não precisamos do Oscar para saber que o Selton Mello, Nanda, Walter e nosso cinema nacional são ótimos, mas como é bom ser reconhecido mundo afora! Se não vier o troféu, tudo bem, já somos vitoriosos. Mas se vier, decretarei que o resto da semana será toda ela dedicada ao carnaval!