Buenas!
O mundo anda tão complicado, não é mesmo? Eu sei, todo mundo sabe, não precisava o mundo nos lembrar dia sim dia também de nossa finitude e de sua indignação com nosso comportamento. Ainda assim, penso que temos mais a comemorar do que lamentar.
Gostaria, sinceramente, de falar da viagem que fiz para Buenos Aires, 15 anos depois da primeira vez, e de como a cidade, apesar da crise econômica permanente, está cada dia mais linda e cosmopolita. Queria falar de seus belíssimos museus, de suas dezenas de parques e jardins muito bem cuidados, de seus prédios e Boulevares construídos aos moldes da França do século XIX.
Mas não, tenho de falar do filme: “Um dia de fúria”, com Michael Douglas, de 1993. A pessoa descobre que o tempo está passando, digo, voando quando constata que fatos e filmes que parecem recentes em sua memória ocorreram há algumas décadas…
No caso do filme, um homem se irrita com o acúmulo de derrotas sociais: divórcio, desemprego, estresse no trânsito e desencadeia uma série de distúrbios e mortes. Não foi o caso de Novo Hamburgo, na última semana. O que aconteceu ali foi barbárie misturada com insanidade. Algo nunca visto nestas proporções no RS, quiçá no Brasil.
Nos EUA já vimos, tanto na ficção, como no caso do filme citado, quanto nos noticiários. Porém, lá tem um agravante que aqui não tem, melhor, não tinha.
Lá, conforme prevê a tal da segunda emenda da constituição, a população em geral têm o direito de garantir a legítima defesa. Logo, segundo a interpretação, qualquer um pode comprar a arma que quiser. E alguns estados levam isso ao pé da letra, permitindo o uso ostensivo de pistolas na cintura, no melhor estilo faroeste. Aliás, a constituição deles foi criada naqueles tempos sem lei.
Aqui no Brasil não é assim, ao menos não deveria ser. As normas que existem procuram restringir a compra, o uso e a posse de armas, tornando difícil que uma pessoa com algum histórico criminal ou problemática tenha acesso a armas. Ao menos, legalmente falando. Porque, no Brasil, tudo que é ilegal parece ser mais fácil de conseguir…
No caso em questão, não foi isso que ocorreu. Um homem com histórico de internações por esquizofrenia teve acesso a armas legalizadas! Ele tinha duas armas registradas, tanto pelo Exército, responsável pelos CACs, quanto pela Polícia Federal, que libera a posse de armas no país.
Foi aprovado em exames de capacitação técnica e apresentou laudo psicológico de profissional credenciado. Ainda mantinha mais de 300 munições em casa. E, se não fosse o suficiente, tinha duas espingardas sem registro. Como pode ele, com um histórico problemático, mas sem registros criminais, manter tudo isso em casa? Como pode?
Não sabemos ainda como conseguiu tudo isso, como nunca saberemos os reais motivos que o levaram a surtar a tal ponto, que resolveu usar todo este arsenal. Será que seria tão drástico desfecho se ele não tivesse tudo isso com ele?
Porque, bastou uma pessoa surtar com tudo isto à disposição, quanto mais uma das maiores tragédias da história do RS.
E, apesar de tanta informação, nunca saberemos o que levou este indivíduo a atirar contra os próprios pais, o irmão e a cunhada. Muito menos o que o motivou a disparar contra guarnições de policiais militares que para ali foram para apaziguar uma discussão familiar, surpreendidos por tiros covardes e traiçoeiros.
Nunca saberemos o que levou tal criatura a atingir os níveis mais bárbaros que possam existir, que é atacar a própria família, o primeiro crime, segundo a Bíblia. Ainda atentou contra a vida de policiais, de jovens policiais que ali foram para cumprir seu dever, ajudar uma família, e acabaram por ter o ciclo de suas vidas encerrado de maneira abrupta e cruel, sem possibilidade de defesa.
Nem saberemos o que motivou-o a enfrentar, por mais de 8h noite adentro, centenas de policiais. O que o motivou a disparar contra as tropas de choque que, com seus escudos, queriam se proteger e resgatar seus colegas e familiares feridos.
Nunca saberemos, mas, com certeza, este episódio nao será apagado de nossas memórias, ficará marcado não só para aqueles que vivenciaram o tiroteio, mas também para quem só recebeu os áudios e vídeos dos acontecimentos. Bastará lembrar que algo assim nunca antes foi visto, a não ser em filmes como o citado acima, ou nos noticiosos norte-americanos.
Assim, quem sabe, possamos refletir sobre a importância de não imitar tudo que vem de fora. Lá nos EUA estão discutindo alterar a liberação irrestrita de armas devido às corriqueiras tragédias, porque nós queremos liberar?
Há tanto o que aprender com o cinema ou os acontecimentos que nos chegam através da mídia do estrangeiro. Facilitar o acesso de armas por parte da população, sem um rigoroso processo preventivo de avaliação, não é só um tiro metafórico no pé. Podera ser mais um tiro no peito de um pai de família, poderá ser um tiro na cabeça de um policial que está tão-somente fazendo seu trabalho.
E saber que isso ocorreu por que burlaram normas e regras, seja por azar dos azares ou incompetência do sistema, – ou ambos –, facilitando o acesso a armas para pessoas sem a menor condição de as possuir.
Queria falar de viagens e lugares belos como Buenos Aires. Porém, o mundo anda tão complicado que chego a questionar-me: somos todos humanos?