A minha história com a música caminha com a minha relação com a cultura gaúcha e a música nativista. Des- de muito pequena, por mais que meus pais não sejam músicos, minha casa sempre foi muito musical. De ouvir música, ir em eventos. Então, em casa sempre tive contato com a música regional, tanto a gaúcha quanto o folclore latino-americano, que é tão mesclado na nossa regiãode fronteira.
E, além de musical, também foi um ambiente onde cres- ci em contato com a cultura gaúcha, com o campo, os animais, o mate, indo na Semana Farroupilha, usando bota e bombacha, vestido de prenda… Quando comecei a fazer aula de música, o palco dos festivais nativistas “para gurizada”, infanto-juvenis, que acontecem muito em Livramento e em cidades ao redor, era o lugar onde podia me apresentar, onde podia concentrar meus estudos e me expressar.
Comecei a frequentar esses eventos, fui gostando, fui fi- cando, e não parei mais! Muito disso porque, com o tempo, fui entendendo que as letras que eu cantava, que meus amigos cantavam, diziam muito das coisas que eu vivia “lá fora”, em campanha. Aconteceu essa identificação e, quando virou a chave, entendi que era essa a verdade que eu queria cantar. A verdade da minha gente e da minha fronteira.
Graças à música e aos festivais, já andei muito por esse Rio Grande, conheci muitas pessoas, fiz muitos amigos e colecionei vários causos por aí. Trabalhar com a cultura
me renova, e fazer música me realiza.
Em poucos lugares sou mais feliz do que no palco, can- tando e tocando. Hoje, que também sou professora de música, sempre que posso, levo meus alunos para esses eventos onde comecei, e incentivo muito para que eles participem. Acredito muito que é uma experiência que pode transformar vidas. Toda esta história me levou a fazer faculdade de música e a seguir dando aulas.
Viver neste meio moldou meus gostos, minha escolha profissional, tudo. É a minha vida. Vejo nossos costumes como algo que nos une, aproxima e diminui as distâncias. Hoje, morando em outra cidade, o momento em que paro para fazer meu mate é o momento em que me sinto mais perto de casa.
Diminui um pouco a saudade, sabe? E com as músicas que canto, também sinto isso, como se estivesse mais próxima dos meus. Claro que viver de arte não é uma tarefa fácil. E ser mulher no meio da música regional ainda é uma realidade onde temos um longo caminho a ser trilhado, pensando em igualdade. É um espaço onde a referência ainda é muito ligada à figura masculina, do gaúcho. É comum vermos eventos regionais, como rodeios, festivais, sem nenhum show com artista mulher. Festivais com 800 canções inscritas e nenhuma compositora mulher classificada, ou sem participar, seja como intérprete ou musicista.
Essas questões, do feminino e da cultura e música gaúcha, são fortes na minha vivência, tanto que meu TCC do curso de Música foi sobre a representação social da mulher na música nativista. E agora, no mestrado, estou estudando sobre como os festivais nativistas infanto-juvenis influen- ciam na escolha profissional de musicistas mulheres que participaram desses eventos.
Existem barreiras sociais, sim, mas já melhorou e muito! Hoje vemos entidades tradicionalistas com patroas, com maior participação de mulheres nos festivais (e ainda pode ter mais!), existe uma produção artística e cultural com mais presença feminina. As portas estão se abrindo e ainda temos muito a avançar. Conquistar este espaço é uma luta do dia a dia, mas fico feliz com cada pequeno degrau, cada conquista nesta busca por igualdade.