No tempo de guri o uso de óculos era um divisor etário. Quando o vivente desfilava com aquela “cangalha” – termo pejorativo da época – era sinal que a idade provecta chegara. E que a despesa da farmácia iria mudar. Ao invés de antiácidos e preservativos da juventude, se passava a consumir remédio contra a hipertensão e colesterol.
Lembro quando comecei a usar óculos. Morava numa “república” – apartamento com outros quatro conterrâneos vindo do Interior para Porto Alegre. Fui ao oftalmologista, que lá na colônia se chamava de “oculista”, e peguei a receita. Fui à óptica e, com muita coragem, retirei a encomenda na loja.
Atualmente o uso de lente é um hábito normal. As mulheres incorporaram o acessório para embelezar o rosto, combinar com roupas e calçados e para realçar a cor dos olhos. Na década de 70/80, no entanto, era preciso grande destemor para encarar a turma de amigos.
Ao fazer o primeiro óculo por uma semana andei com o dito cujo na mochila. Era medo de encarar a “corneta” dos colegas de apartamento. Usava no trabalho, com discrição, mas era impossível passar “invisível” por causa dos modelos lamentáveis das armações daquela época.
Depois de alguns dias, no entanto, resolvi encarar os “corneteiros de plantão”. Entrei em casa e o pior cenário aconteceu naquele final do dia: não havia ninguém chegado do trabalho. Isso levou a um lento e doloroso processo de tortura. Todos chegaram separados e cada um fazia uma piadinha.
“Quatro olhos”, “professor Pardal”, “vesgo” e “ceguinho” eram parte do vocabulário ouvido por uma semana. Mas aos poucos a galera se acostumou com meu novo visual. Ainda sonho em abandonar os óculos. Fiz cirurgia que eliminou a miopia, resultado da habilidade do craque oftalmologista Sérgio Sprinz. Ele me dá esperança sobre uma revolucionária cirurgia que permitirá o fim definitivo das armações. E eu espero ansiosamente!
O uso de telas – de computador e celular – fez do uso do óculos um hábito disseminado. Para quem transpira em excesso, caminha na chuva ou inadvertidamente esquece de tirar o equipamento ao dormir e tomar banho, andar sem a “cangalha” sobre o nariz é sonho de consumo. Quem sabe um dia voltarei a jogar fusal sem medo de um acidente?
Gilberto Jasper
Jornalista/[email protected]