sex, 6 de setembro de 2024

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Última Edição

O REMÉDIO DA LEITURA NUNCA SERÁ PLACEBO

 Buenas!

O mundo anda tão complicado, que não precisamos nem cantarolar a música para saber disso. Penso que vale fugir do noticioso, mesmo que seja só por alguns momentos. Estar conectado ao mundo e seus factóides tornam nossos dias pesados, uma boa dose de leitura pode aliviar algumas dores causadas pelo cotidiano.

Tem o calor absurdo e inédito no Brasil, nesta época do ano, as chuvas torrenciais no sul, a seca na floresta amazônica, a guerra da Ucrânia, a guerra política permanente no país, as bobagens que infestam as redes sociais, como o protesto das “pessoas” que se identificam como “cães”, na Alemanha, etc. São tantas as notícias, que a realidade chega a dar um cansaço…

Por entre um chope ou dois, falava sobre isso com uma amiga dos tempos de faculdade. Ela me deu sua receita. Começou um curso de literatura, queria rever obras que fizeram parte de sua formação acadêmica, distante 20 anos em seu passado.

Comentou livros que  leu e largou, outros que terminou e gostou. Alguns deles passaram por minhas mãos, e discordamos várias vezes quanto à qualidade das obras. Opinião interpretativa diversa em matéria literária, religiosa, política ou futebolística não deve ser só tolerado, mas sim, fomentado. Com civilidade e tolerância, todo debate pode gerar conhecimento.

Focamos em José Saramago, que ficou famoso por ser o único escritor da língua portuguesa a ganhar o Nobel de literatura, em 1998. Minha amiga, leitora de mão cheia, não gosta muito do estilo dele, que usa travessões para separar os diálogos, dentro outras inovações.

Mas as palestras que ela assistiu foram com a professora Jane Tutikian, uma das responsáveis por nos apresentar os autores portugueses nos tempos da universidade. O incentivo ela já tinha, acresci algumas recomendações. Deveria, primeiro, largar o celular e as redes sociais, e fomentar alguma perseverança. Assim, iria adentrar no universo de um dos melhores autores da literatura ocidental. Isto não sou só eu que digo, são diversos estudos acadêmicos mundo afora.

Por exemplo: “O ano da morte de Ricardo Reis”. Um dos seus principais romances, onde Saramago tem a maestria de interagir o heterônimo Ricardo Reis com o poeta Fernando Pessoa. Na obra, Pessoa, que morreu no final de 1935, vivia numa Portugal regida pela ditadura do Salazar, que espelha, em escala reduzida, a evolução ditatorial de Hitler, Mussolini e do beligerante Franco.

Saramago resgata Reis do Brasil, ele volta à terra natal. Ao voltar ao seu país, observa aquele mundo em ebulição política, as guerras. Ele só tem seus livros e, pasmem, o “fantasma” de Pessoa para dialogar.

E que diálogos! São esplendorosos, citando, sem aviso prévio, trechos das poesias dos outros heterônimos de Fernando Pessoa, das convicções de ambos os poetas e suas personalidades. Claro, não podemos esquecer da musa de Ricardo, Lídia, a camareira, que desmonta a clássica visão de mundo do médico Ricardo Reis.

Difícil escolher o que tem de melhor neste livro, mas não podemos esquecer do ano de 1936. Um ano que não pode ser esquecido, pois foi o divisor de águas na ascensão do nazi-fascismo. Através dos jornais, Ricardo Reis sabia que Mussolini consolidava seu poder na Itália, Franco deflagrou a guerra civil espanhola, apoiado com armamento pesado de Hitler, que queria testar seu potencial militar, afiando as garras para o bote que redundou na II Grande Guerra Mundial. Claro, não podemos esquecer que Portugal vivia uma ditadura, com Salazar, com perseguição política e tudo.

Cada livro dele renderia páginas e páginas de comentários, mas deixo aquele para falar do cinematográfico “Ensaio sobre a cegueira”. Tal livro ficou famoso não só pela força narrativa, mas pelo desvelar das entranhas de nossos instintos mais sombrios. A força com que nos prende, que mostra o quão podemos ser vis, se postos a prova, é o que ele propõe em suas páginas e levou o livro a um dos mais vendidos do autor.

Aliás, a questão da cegueira é ampla, pois, ao ficarem cegos, os personagens não medem esforços pelo poder e perfídia, baixando à vilania para tanto. Várias séries seguiram tal temática, como a famosa “The Walking Dead”. Recomendo a leitura do livro antes do filme, que deve estar nas plataformas de streaming. Verás que o filme é muito bom, mas o livro é ótimo.

Fomos um pouco além, e comentamos “Evangelho segundo Jesus Cristo”, que ela ainda não tinha lido e, para mim, é uma das obras-primas do século XX. Penso que sua leitura deveria ser obrigatória para todos, cristãos ou não.

O narrador de Saramago – um dos meus preferidos de tudo que já li – apresenta um Jesus através de uma ótica mais humanizada, como homem que o foi, que fora escolhido por um ser divino, no caso Deus, para fazer sua obra. Já a figura divina é apresentada do alto de seu poder e ambições, perpassada por uma ironia narrativa mordaz, típica de um autor que conhece a religião ocidental como poucos, mas a aborda através de uma ótica realista e crítica.

Poderia falar de muitos outros livros dele ou, ainda, aprofundar os comentários sobre os citados. Mas ficarei por aqui. A crônica tem limites e deu vontade de pegar algum livro dele e reler suas páginas, deixando de lado o celular e o cotidiano. Estou precisando de uma aspirina literária…

Instituto Unimed | RS em reconstrução

Há exatamente um ano, nosso estado sofreu a primeira grande enchente deste século e em maio deste ano novamente fomos fortemente impactados pelas chuvas. Desde então, temos caminhado juntos, enfrentando desafios e superando obstáculos. A jornada tem sido árdua, mas também repleta de momentos de união e solidariedade. Queremos expressar a nossa profunda gratidão a todos que se uniram a