Buenas!
“A vida é pra valer e não se engane não, tem uma só, duas mesmo que é bom ninguém vai me dizer que tem sem provar muito bem provado, com certidão passada em cartório do céu e assinado embaixo: Deus. E com firma reconhecida! A vida não é de brincadeira, amigo, a vida é arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida…”
Não caro leitor que me admira (uma volumosa dúzia), não sou o autor dos versos acima. Quem dera tivesse a capacidade de dizer o que penso com tamanha clareza de ideias, profundidade e uma fluidez inigualáveis. Tal capacidade aparece em gênios da raça, são raríssimos meteoros, refulgem no céu escuro de alguns povos e decalcam sua luz e palavras fulgurantes em nossas mentes, em nossas vidas…
São versos do poema “Samba da Benção”, escritos por Vinícius de Moraes, que recebeu a alcunha carinhosa de poetinha. O poema recebeu harmonia melodiosa por outro monstro dos vilões, Baden Powell, o brasileiro, não o fundador do escotismo.
Falei outro dia das atrocidades que abalaram o Brasil nas últimas semanas e pensei não somente nos que perderam suas vidas, também naqueles que ficaram. Fui remido aos versos do poetinha, com quem concordo, não há segunda vida! A não ser que chegue às minhas mãos o tal documento exigido por Vinícius, registrado em cartório!
Como ficam os pais daquelas crianças da creche em Blumenau? Implicando, pergunto, como ficam os pais de crianças com câncer? Proponho um exercício: Como você lidaria caso seu filho ou filha fosse diagnosticado com leucemia, um tipo de câncer que acomete dez mil pessoas por ano, somente no Brasil, segundo o Instituto Nacional do Câncer. Tal doença atropela qualquer um, não pergunta sua raça, cor ou credo.
O que faria com a notícia da doença? E com a morte de quem ama? Como lidar com a saudade de quem perdemos de modo abrupto? Morrer é do jogo, sabemos, entretanto, poucos sabem lidar com isso. Gosto da frase de Saramago: “a morte não é uma entidade externa a nós. É invisível, mas está sempre conosco. É pessoal e intransferível.”
Porém – um porém pesado, mas necessário para a reflexão a que me proponho –, quando ela vem de surpresa, arrebata sem aviso ou leva consigo vida de jovens, ela é torturante, para não dizer cruel. Não é certo vivermos como se ela não fosse onipresente, mas o fazemos. Ela coabita nosso espaço, espreita nossos passos…
Pensando nisso, tenho uma proposta para viver melhor, lembrando dela. Antes de sair da maternidade, será tatuado em local visível a seguinte frase: “Caro vivente, morrerás e pode ser a qualquer momento. Viva!
Contraditório, eu sei, mas preciso, nos dois sentidos da palavra. Não prego aqui uma vida louca, sem limites. Longe disso! O que sinto falta é da leveza. Se a vida é frágil, por que o mau humor, brigas, desgastes? Por que me estressar no trânsito, com aquele cara que te fechou ou deu uma buzinada? Ele também vai morrer, uma hora destas, igualzinho a ti.
A morte está ali, à espreita, só de olho. Os sobreviventes a ela, não se acostumam, mesmo sabendo de sua inefável invencibilidade. Até hoje não sei lidar com a perda de meu avô paterno. Ele foi mais presente em minha vida que meu pai, um farol para um bando de netos que aprendiam a velejar com suas próprias pernas, sempre próximos de suas orientações, para alegria do aposentado. Um câncer o levou, em pouco mais de um ano.
Ele se foi, o que sobrou? A memória. Procuro sempre as boas, para conforto. Já não caminhava, mas não esqueço do seu sorriso vendo seu neto vestido de polícia, dirigia a ambulância que o levou de volta para casa depois de um longo período de tratamento. Quase pingou uma lágrima no teclado agora, mas foi desviada por um esgar de canto de boca que poderia ser chamado de sorriso saudoso.
Preciso confessar que este assunto não surgiu ao acaso. Além das tragédias da semana passada, tenho conhecidos sofrendo pelo câncer e, por último, perdi uma gatinha, a Evangeline – minha filha que escolheu, mas gostei! Ela tinha seis meses, fez uma peripécia e faleceu.
Alguns dizem que animal de estimação é só um bicho. Outros lamentam como se perdessem um filho. Não julgo nem um nem o outro, lamento, isto sim, a perda de uma vida tão nova e onipresente. Com a evolução tecnológica, fiquei com mais fotos e vídeos dela do que tenho do meu avô.
Não comparo aqui as entidades, trato da situação de quem aqui fica aguardando a chegada da indesejada das gentes, como a chamou o poeta Manoel Bandeira, de quem precisa cultivar a ausência física de quem amava. Se for uma perda repentina, dói muito mais, e não há o que acalente os presentes. Restam as lembranças dos ausentes, as boas, principalmente.
Depois de tanta reflexão sobre a certeza do morrer e a beleza do viver, deixo uma última frase de Saramago – que também gostaria que fosse minha –, escritor português que, como Vinícius, Bandeira, meu avô e a Evangeline, já nos deixaram, mas deixaram, ao menos, belíssimas lembranças: “nossa única defesa contra a morte é o amor”.