Buenas!
A primavera na capital dos gaúchos é marcada por um evento ímpar no calendário: a feira do livro. Em sua 68ª edição, a mais tradicional e charmosa feira do livro do país vem recheada de expectativa e uma coisa diferenciada: esperança. Ah, quase ia me esquecendo: sua abertura coincide com a votação do segundo turno para as eleições presidenciais mais polêmicas desde a reabertura democrática, e lá se vão quase quarenta anos…
Juro, eu queria evitar falar das eleições, tenho comentado alguma coisa sobre elas quase toda semana, mas, garanto aos meus incontáveis leitores – algo de pretensioso é inerente ao ser humano, uns mais, outros menos -, não consegui escapar da armadilha intransponível que elas são, tal sua relevância para a história. No futuro, nossos netos irão estudar estes tempos complexos em suas aulas virtuais, através de óculos multidimensionais ou chips implantados diretamente no cérebro.
Mas falava da feira do livro de Porto Alegre e de sua volta enfática após dois anos. No primeiro, ela foi virtual, ano passado, foi modesta, devido às adaptações necessárias aos momentos pandêmicos. Quem é leitor e gosta de livros, não resiste a uma verdadeira festividade que é promovida anualmente por quase três semanas pelos corredores da praça da Alfândega, no centro histórico.
Ali, é impossível não se deslumbrar com as barracas recheadas de livros, cercados por prédios históricos, jacarandás em flor e um burburinho permanente de gente curiosa e suspirando pelo cheiro da pipoca. Além das promoções e lançamentos, alguns escritores por lá circulam, autografam, batem ponto naquele local e momento sui generis no mundo, diria, inclusive, na galáxia, mas a modéstia fala mais alto, é um momento diferenciado, ao menos, no ano do gaúcho.
Impossível frequentar as alamedas da praça sem sentir-se um pouco melhor, sem sair dali com o sentimento citado no primeiro parágrafo renovado, com uma sensação de que o mundo pode ser um pouco melhor, porque há livros sendo comprados e lidos “à mão cheia e manda o povo pensar”, como pregava o baiano Castro Alves em seu belíssimo e inesquecível poema “O livro e a América”.
Falei em esperança e volto ao assunto das eleições. Não por acaso é o assunto dominante em doze de cada dez grupos de redes sociais ou conversas presenciais, que também voltaram à normalidade. Saibam que todos somos livres e temos o direito inquestionável de escolher, ao menos com um singelo votinho, quem gostaríamos que nos governasse. E ninguém pode nos questionar ou nos induzir, no máximo, concordar com felicidade, ou discordar, com respeito…
Numa rede social vi um depoimento de um ator, um humorista da nova geração, o Paulo Vieira. Ele participou do Porta dos Fundos e, atualmente, tem um quadro no Fantástico, em que visita as pessoas no interior do país, fazendo entrevistas com muito bom humor e naturalidade ímpar. Certo que já o viram, ao menos em alguma propaganda para a Copa do Mundo.
Ele dá um depoimento a um dos candidatos, comenta que, quando criança, viu seu pai chorar pela primeira vez quando, em 2002, saiu o resultado das eleições presidenciais. “Nem sabia que pai chorava”, diz, com sua naturalidade que nos faz rir com facilidade. Questionado pela criança de dez anos, o pai responde que chora porque, “agora vocês vão poder ter um futuro…”
E o pai dele estava certo, segundo o ator. Todos seus irmãos estudaram em institutos federais, que foram criados no país somente após esta eleição, e estudaram em universidades públicas, pois surgiram as para estudantes de escolas públicas e oriundos de famílias carentes. Até o negócio do pai dele, que vendia salgados, melhorou e pode comprar o primeiro carro na vida!
Não sei vocês, mas eu estudei em escola pública a vida toda, não usufrui da lei de cotas, mas meus dois irmãos mais novos sim. Ambos fizeram faculdade de forma gratuita, não pela cota racial, mas da escola pública. Um hoje defende ferrenhamente o candidato da direita. Minha irmã defende o candidato da esquerda.
Curiosamente, o primeiro não é muito ligado em livros, sempre foi um homem prático, dos números. Já a segunda, vinha do interior me visitar desde pequenina. Levei-a em minhas aulas na universidade, lá ganhou livros de uma professora que, inclusive, já foi patronesse da feira do livro. Caminhei com ela muitas vezes por entre as bancas da feira, até que ela se mudou para cá e foi com suas próprias pernas. Agora, leva seu filho de sete anos, um leitor ferrenho, junto com a filha de meu irmão, minha afilhada, fã dos livros que mando para ela.
Não queria falar de mim, acabei por falar de parentes…
Concluo dizendo que, se há alguma dúvida em quem votar, entre a defesa da arma e a defesa do livro, lembrem que quem vos escreve é um policial, um homem que porta uma arma em seu trabalho há quase trinta anos. Digo que não precisamos eliminar um para ter o outro, mas que devemos, isto sim, priorizar com ênfase o mais relevante dos símbolos.
As armas podem proteger uma vida ou acabar com elas. Já os livros, forjam caráter, moldam vidas. Os livros podem sim mudar o mundo…
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P.S. Semana passada ganhei o segundo lugar em um prêmio literário do sintrajufe-RS na categoria CRÔNICA. Agradeço com sinceridade esta valorização e mais ainda este espaço que vos escrevo…