Buenas!
Estava eu na fila do pão, pensando se levava o branco ou integral, além de refletir sobre a inconsistência da vida planetária diante da grandiosidade do Cosmos, isso depois de ver as imagens de galáxias há 13 bilhões de anos-luz de distância da Terra captadas pelo telescópio James Webb, quando ouvi duas atendentes conversando entre elas atrás do balcão:
– Tu não vai acreditar, Soraide. Faz pouco tempo, veio um moço aqui e me pediu dez centavos de qualquer coisa.
– Mas, dez centavos de qualquer coisa? Como assim Clairdes? – Perguntou a segunda com cara de incrédula.
– Tem cabimento? A pessoa chega aqui, além de não saber o que quer, empata a fila e nosso trabalho! – Respondeu a primeira com certa impaciência.
– Pois é, não compreendem a importância do que fazemos. Ontem, um moço me mostrou a mão com algumas moedas e queria que eu aceitasse em troca de algum pão velho – falou Soraide, impaciente.
– Inacreditável!
– Eles não sabem que o pagamento é no caixa, não é no balcão? – Disse, quase bufando.
– Sim, o pessoal não compreende as regras da casa.
– O Valdemar, sabe, aquele de cabelo comprido, que trabalha no açougue do mercado, disse que tinha uma moça com duas crianças na frente do balcão. Ele perguntou se queriam algo e ela, depois de um longo tempo, levantou os olhos da vitrine de carnes e disse que não queria nada, estava só olhando. Na verdade, completou o Valdemar, ela confessou que trouxe os filhos para conhecer carne.
– E ele, o que fez?
– Perguntou se nunca tinham visto, ela insistiu que não. Só conheciam carne moída ou osso com tutano.
– E aí? Que mais? – perguntou, curiosa com o desenrolar.
– Ele explicou que ali não podiam ficar. Ela e as crianças foram se afastando, olhar comprido que não desgrudava da vitrine, digo, do balcão das carnes…
– O que pensam essas pessoas? Quem quer comprar de verdade não pode escolher se eles ficarem parados, como se estivessem assistindo televisão em loja de shopping, vão atrapalhar os clientes. – comentou, enquanto ensacava os pães de uma pessoa à minha frente.
– Onde a gente vai parar assim? Semana passada, quando estava repondo os pacotes de café, uma moça estava com um saquinho numa mão e raspando o pó da prateleira com a outra, juntando o que podia ter caído de algum pacote roto. Eu disse que o pó de café que caia ali estava misturado com o pó da sujeira. Sabe o que ela me respondeu? Não tem problema, até que pode ser bom, deixa o café mais encorpado, dá um gostinho especial.
– Estas pessoas não entendem que não estão ajudando assim, limpando prateleiras de qualquer jeito? tem faxineira para isso…
– Pior foi na parte das frutas. Estava lá, cobrindo a folga do menino da balança, quando um senhor idoso, de roupa envelhecidas, pediu para levar umas frutas que estavam machucadas e já no lixo.
– E o que você disse? – Perguntou a outra, quase que animada de empolgação.
– Falei que não iria proibir e olharia para o lado, mas que tinha que ser rápido. E, também, não podia pegar nenhum saquinho para carregar, ele que colocasse nos bolsos.
– Fez bem, imagine se isso virar moda?
– Do jeito que tá a coisa, não dá para imaginar onde a gente vai para assim.
– E para o senhor, o que seria? Senhor? O que vai querer? – disse a moça.
Como que voltando de um transe, vi que era comigo. Estava tão distraído com o diálogo que me esqueci da angústia provocada pela grandiosidade cósmica apresentada pelo novo telescópio e pedi três cacetinhos – caros estrangeiros, para não gerar polêmica, caso não saibam, cacetinho é pão francês na terra de vocês.
Após receber a encomenda, agradeci com um sorriso e fui saindo, um pouco atordoado, consegui ainda ouvir o comentário delas:
– Este povo desatento…
– Onde é que a gente vai parar assim?