Buenas!
Antes que o mês de julho caminhe para seus finalmentes, não posso deixar passar em brancas nuvens o centenário da revolta dos 18 do Forte de Copacabana. Não só por ser uma efeméride de respeito, mas, principalmente, pelo heroísmo daqueles tenentes, isso em um país tão carente de heróis, como comentei há pouco. É importante compreender a motivação que os moveu, vamos relembrar os fatos…
Dia 05 de julho de 1922 eclodiu a revolta que ficou conhecida pela praia onde o sangue de patrícios foi derramado e pela quantidade diminuta de pessoas envolvidas. Ela foi mais uma das tantas manifestações violentas que o brasileiro promoveu contra os governantes de seu país, muitas delas, com fundamentação bastante plausível, outras nem tanto.
Tudo começou com a polêmica das cartas falsas (não é de hoje que fakes news influenciam eleições e golpes, sabiam?). Nelas, o presidente eleito Artur Bernardes teria falado mal dos militares e de Hermes da Fonseca, marechal e ex-presidente. Pronto, o estopim estava aceso, não importando os desditos ou manifestações em contrário. Após exames detalhados, as cartas provaram ser falsas. Como podemos ver, uma fake news, não importa se impressa ou digital, tem efeito avassalador.
Os militares, principalmente um grupo de jovens tenentes recheados de ideias idealizadoras, querendo modernizar o país, organizou-se para uma revolta no Rio de Janeiro, nossa capital, visando desestabilizar o presidente Epitácio Pessoa, acusado de fraudar mais uma eleição. Aliás, sabiam que, até 1985, somente os alfabetizados podiam votar no Brasil? Indo além, saibam que, naqueles tempos da República Velha, o voto não era secreto e recebia a alcunha de voto de cabresto. O peão da fazenda ou funcionário da empresa era obrigado a votar em quem seu patrão exigia; capangas vigiavam os locais de votação.
Historiadores encontraram centenas, milhares de votos falsos, muitos “assinados” por pessoas mortas, além das urnas com fundo falso. Érico Verissimo comenta esta prática em “O Tempo e o Vento”, quando aborda as eleições nos anos 1920. Quem desconfia da urna eletrônica de hoje é porque não conhece a confusão do voto impresso de outrora…
Quanto à revolta contra o governo de Epitácio, a maioria dos militares recuou ou foram presos previamente. Entretanto, Siqueira Campos, Eduardo Gomes, Newton Prado, dentre outros tenentes recém formados pela academia militar, não se resignaram e se rebelaram, mesmo sem apoio dos outros quartéis.
Depois de dois dias de resistência e após a prisão do capitão Euclides que tentou negociar com o governo, a rendição não era cogitada. Liberaram quem não quisesse lutar e, dos trezentos militares que ali estavam, sobraram 28 homens. Num ato de bravura típica de romances de aventura, o tenente Siqueira Campos rasgou a bandeira do Brasil em 29 pedaços, distribuindo-as entre os presentes. Carregou dois pedaços, um deles representando o capitão preso.
A bravura muitas vezes é confundida com burrice, porém, ninguém ouse criticar estes homens! Eles marcharam pelo calçadão recém inaugurado de Copacabana contra três mil soldados. Eu falei três mil! Loucos? Sim, inegável, mas patriotas e idealistas acima de tudo, como o gaúcho Octávio Correia. Ele caminhava por ali, curtindo suas férias e, ao ver aqueles homens de armas em punho, questionou suas motivações e teria dito: “- Se é para lutar contra o governo, dê-me um fuzil!”, entregando sua vida à revolta.
Hoje, o calçadão mais famoso do país, é palmilhado por turistas que desconhecem que suas areias já foram encharcadas de sangue, sangue de homens que amavam seu país, que lutaram contra um governo que afrontou as regras eleitorais e a democracia. Caso o turista ou leitor de minhas palavras queira saber um pouco mais, recomendo ler o livro “1922: Sangue nas areias de Copacabana”, do historiador Hélio Silva. Ele ilumina com belas palavras aquela verdadeira marcha para a morte.
Dos dezoito homens que entregaram suas vidas para a história, sobreviveram somente dois: Siqueira Campos e Eduardo Gomes, ambos gravemente feridos. Foram condenados à prisão, mas, após recuperarem as forças, fugiram da cadeia. Ambos participam como líderes da Coluna Prestes, que singrou o país entre 1924 e 1927. Inspirado na revolta de 1922, a Coluna quis despertar o Brasil para as agruras em que vivia o povo, incitando uma revolução social, que nunca ocorreu. A coluna Prestes é outro movimento que merece um olhar mais atento do leitor. No futuro falarei um pouco mais dela…
Os dois também iriam participar do Golpe de 1930, que alçou Getúlio Vargas ao poder. Porém, um pouco antes, Siqueira Campos morre em um acidente de avião, enquanto Eduardo Gomes, vira ministro e torna-se o idealizador e patrono da Força Aérea Brasileira.
O heroísmo apresentado por estes homens é inegável, atitude tão rara em nossas terras. Mas é premente lembrar que suas motivações foram a miséria do povo, eleições corrompidas, urnas recheadas de votos irregulares, cartas falsas e intrigas palacianas. Conquistaram, somente, um estado de sítio governamental que durou os próximos quatro anos.
Aprender com o passado é base para a evolução, pessoal ou coletiva. Após 100 anos, sabemos que o Brasil passou por tentativas de golpes, algumas malogradas no nascedouro, outras bem sucedidas. Contudo, todas contribuíram para que o país não evoluísse democraticamente, o objetivo primordial de qualquer nação civilizada.
Apesar da possibilidade de uma eleição ser fraudada, rotina no tempo dos heróicos revoltosos de Copacabana, hoje algo assim é raro. Sabemos que a tecnologia não é infalível, afinal, nada é perfeito no mundo. Mas é muito melhor ter eleições, participar com nosso singelo voto do processo, do que dar voz e vez a déspotas sem esclarecimento.