Buenas!
O Brasil carece de heróis! Premissa inegável, hão de concordar comigo, contudo, pode ser relativizada. Aliás, credito esta escassez por buscarmos tâmaras em desertos carentes de oásis. Poético, diria eu, seara que não me aventuro com frequência, confesso. Devo estar inspirado pelo homem que quero hoje apresentar aos que me leem.
Ele não foi poeta, mas homem de “palavra”, herói de seu tempo, valorizado mundo afora. Nem sempre recebeu a devida valorização em terras tupiniquins, apesar de desbravar os rincões mais inexplorados de sua terra e apresentar o povo original ao povo urbanizado. Dedicou sua pena ao país sem envergar capa e espada, bradou ideias e atitudes, ambas transformadas em livros à profusão.
Darcy Ribeiro contradiz a fama de que mineiro é bebe-quieto, ele era o estardalhaço em pessoa. Foi antropólogo, indigenista, escritor, senador e ministro.
Quando jovem, Darcy já se mostrava inquieto. Deixou Montes Claros para cursar medicina na capital mineira. Insatisfeito com o mundo à sua volta, optou pelos estudos de antropologia na USP, dedicando muitos anos às pesquisas sobre os indígenas brasileiros direto na fonte: por mais de dez anos, vivenciou o cotidiano de diversas tribos. Seguia os passos de outro grande herói brasileiro, Marechal Rondon, seu mestre.
Inspirado nele, décadas depois, criou o Museu do Índio, o primeiro do mundo, segundo a Unesco, e o Parque Indígena do Xingu, referência internacional de preservação da vida nativa. Publicou livros emblemáticos como “Os índios e a civilização” e o “O povo brasileiro – a formação e o sentido do Brasil”. Obras com tradução em diversos idiomas, sendo basilares em universidades de renome internacional. Escreveu outros tantos livros, inclusive romances, como “Maíra”, que trata de uma tribo indígena.
Sua vida dedicada aos índios já seria digna de nota, porém, muito era pouco para um homem de sua envergadura moral. Convidado por JK, planeja, funda e torna-se o primeiro reitor da Universidade de Brasília, referência de excelência em educação. Ministro da educação e depois da Casa Civil, gestava várias reformas de base que iriam alavancar o país rumo ao futuro. Porém, o golpe militar derrubou não só o governo democraticamente eleito, acabou com o plano de tornar o país mais igualitário para os desiguais, um país que Darcy conhecia como poucos.
Não teve tempo de implementar suas ideias; o golpe militar extirpou-o do poder junto com Jango. Apesar de querer pegar em armas, o presidente democraticamente eleito o demoveu da ideia: não devemos derramar sangue de patrícios em solo pátrio, dizia. Pena que os usurpadores do poder não tiveram a mesma nobreza de caráter.
Após um período de exílio no Uruguai, torna-se secretário do presidente chileno Salvador Allende, outro governante progressista que foi alijado do poder e assassinado após resistir e lutar, ao contrário de Jango. Não havia como resistir às manipulações financeiras norte-americanas e ao sanguinário Pinochet, um dos piores ditadores da história das Américas. Darcy precisou ser convencido por Allende a fugir, a luta era dos chilenos, ele não precisava se sacrificar.
Após alguns anos, volta ao Brasil para tratar um câncer de pulmão, autorizado pelo governo militar, a contragosto, mas tem de voltar para o exílio após o tratamento. Anistiado junto com diversas celebridades brasileiras que eram obrigadas a viver no exílio, retorna em 1979. Eleito vice-governador do Rio de Janeiro, sob administração do gaúcho Leonel Brizola, criou cerca de 500 CIEPS, escolas em tempo integral, uma revolução que chegou a ser adotada no governo Collor, projeto logo foi abandonado, infelizmente.
Ribeiro dizia que “lugar de criança é na escola de tempo integral, onde possam comer, crescer, estudar. (…) Só isso salvará essa imensa infância para si mesma e para o Brasil.” Sabemos que o custo é bastante alto para manter escolas de dois turnos, porém, ele sabia – e eu corroboro – que esse é o único caminho para o crescimento de uma nação. Por méritos, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras.
“Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.” Nunca se entregou mesmo perseguido politicamente, nem ao câncer, que voltou, dessa vez, na próstata e, agora, em metástase. Internado na UTI, foi entubado por todos os orifícios, conforme seu relato. Brigou o quanto pode com o médico para ter alta, disse que iria morrer ali. Após um longo período de dores sem fim, ganhou alforria para ver sua mãe na virada do ano. Nunca mais voltou.
Convenceu o sobrinho e foi direto para sua casa na praia de Maricá, onde terminou um livro e deu sequência à sua autobiografia “Confissões”, uma belíssima declaração de quem viveu a vida com intensa dedicação, não só a si e aos prazeres da carne – afinal, viveu aventuras amorosas em todos os continentes, nem todas publicáveis -, também ao seu povo, tanto o indígena, com quem muito conviveu e conheceu, quanto com o povo das cidades, voltando a atuar no Senado. Faleceu em 1997, do câncer que, apesar de violento, perdeu as primeiras batalhas…
Apesar dos governantes ainda não enxergarem que a educação é o único caminho para o país sair do atoleiro que o domina desde sempre, Darcy Ribeiro quis e trabalhou para mostrar qual o melhor para o Brasil. Como dá para perceber, não carecemos de heróis, mas sim, de um olhar atento para aqueles que lutam e lutaram – seus livros ainda podem nos ensinar muito – pelo crescimento da nação com base em seu bem mais precioso, a sabedoria.