Buenas!
Cartola, o mestre da poesia popular carioca, eternizou a frase do título na música “As rosas não falam”. Que espetáculo de frase, não concordam? Quem dera eu, que cometo vez ou outra a ousadia de versejar meu tanto, escrever um verso tão belo.
Como na última missiva citei Noel Rosa, outro poeta popular que surgiu nos labirínticos morros cariocas, resolvi resgatar este outro monstro sagrado da música popular brasileira. Cartola, assim como Noel, não ficou rico com seus versos, como nenhum poeta em pagos tupiniquins. Pelo contrário, Cartola teve uma vida bastante difícil, infância pobre, conquista algum respeito com suas músicas e quase nenhum vintém, porém, é esquecido logo em seguida.
Após viver de bico e quase como um mendigo por muitos anos, quando já era um sexagenário, foi salvo pelo amor. Dona Zica é a inspiração para alguns de seus melhores versos. Ele desapareceu das rodas, a imprensa chegou a considerar que ele já tinha morrido quando, um jornalista, o famoso Sérgio Porto, revisitou sua trajetória. Em seguida, gravou seus primeiros discos já idoso, fazendo shows e sendo resgatado de uma vida miserável e do esquecimento.
Outro que só alcançou o sucesso na “melhor idade”, para usar uma expressão contemporânea, foi o nosso Mário Quintana. Ganhou pouquíssimo com seus versos, sobrevivia com traduções de literatura francesa para a saudosa Livraria do Globo, em Porto Alegre, língua que dominava, apesar de nunca ter ido para a França. Publicou o primeiro livro ainda jovem: “A rua dos Cataventos”, em 1940, contudo, pouco ou quase nada foi dito sobre o livro, escrito todo ele em sonetos clássicos. Sua temática um pouco soturna e simbolista não combinava com o estilo pregado pelos autores modernistas, que queriam uma renovação tanto na forma quanto no conteúdo da poesia de então.
Mas o fato curioso de Quintana que quero contar não é sobre seus versos, mas sim, sobre uma cartomante. Conta ele que uma leitora de mãos predisse: – “Serás famoso, um dia, porém, só após ser um sexagenário!” Esquecido disso, Quintana relembrou quando, após completar 60 anos de idade, sua sorte mudou.
Seus poemas, agora mais leves e recheados de uma ironia ímpar, passaram a ser valorizados quando outro grande poeta o “apresentou” ao Brasil, no caso, à intelectualidade carioca. Manuel Bandeira, outro poeta que não ficou rico com seus versos, como seus pares, lançou Mário Quintana ao país criando a expressão definitiva sobre seus poemas; disse que o gaúcho não fazia uma poesia qualquer, fazia Quintanares!
A lista de grandes poetas criados neste país é tão grande quanto a falta de valorização que eles tiveram. Nenhum sobreviveu financeiramente de seus versos, precisavam de trabalhos paralelos às suas aspirações literárias. Cruz e Souza, por exemplo, poeta catarinense do final do século XIX, pretendia vencer com sua arte. Mas, nascendo negro, tinha um percalço para superar, naquela época, quase intransponível. Pereceu para a tuberculose com parcos 36 anos, sem conquistar a fama pretendida, muito menos a estabilidade financeira, quimera mais do que ousada para um poeta no Brasil não importando a cor da pele.
Entretanto, saber equilibrar o que nos dá sustento com o que amamos é uma tarefa para poucos, ainda mais quando a paixão é sua poesia. Peço aos leitores compreensão, pois irei resgatar Machado de Assis novamente porque, além de importante para mim, ele é exemplo para quase tudo. Negro como Cruz e Souza e Cartola, quando jovem publicou versos que não lhe renderam dividendos financeiros dignos ou quiçá suficientes para a subsistência. Hoje, seus versos são pouco lembrados, quando comparados com sua produção narrativa, mas lhes garanto, tem muita coisa boa lá:
“Querida, ao pé do leito derradeiro/ em que descansas dessa longa vida,/ aqui venho e virei, trazer-te o afeto verdadeiro./ Trago-te flores — restos arrancados/ da terra que nos viu passar unidos/ e ora mortos nos deixa e separados.
Esse é o meu preferido, escreveu para sua esposa, após seu falecimento. Um soneto, aos moldes daqueles que Quintana um dia iria publicar, tratando de flores como Cartola. Seus versos deram visibilidade ao jovem tímido que poderia ser mais um invisível social, tal sua origem e cor, não fosse sua habilidade com as palavras.
Através delas, conquistou um emprego público e labutou nele por 35 anos, garantindo o sustento familiar. Nas horas de folga, cultivava palavras e rosas em sua casa modesta no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Ele usava as rosas para pensar a vida, arejar dos afazeres públicos e superar a epilepsia, que o acometia vez ou outra.
Como os mestres da língua que citei, Machado poderia ter tido uma vida difícil, porém, torno-a leve à sua maneira. Teve uma vida simples de assalariado e viveu em casa alugada e, apesar disso, nos legou uma obra insuperável.
Talvez — e permito-me aqui fazer uma suposição — ele viveu assim pois soube “roubar” de suas rosas a inspiração, como o ousado mestre Cartola, e extrair delas a sua essência perfumada, seja daquelas que plantou em seu jardim com sua amada Carolina, seja daquelas que transformou em versos exemplares e — porque não? — educativos:
Há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinhos. Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!