Buenas!
Viram que morreu a pessoa mais velha do mundo? Segundo o Guinness, ela nos deixou após 119 anos tomando sakê em terras nipônicas. Rei posto, rei morto, já diz o ditado. Dona Maria, uma baiana – tinha que ser na Bahia -, precisou ir até um posto de saúde devido a uma indisposição. Ao apresentar sua certidão de nascimento gerou espanto nos médicos: 1900! Ela nasceu no início do século passado, logo, teria 121 anos!
Mas não é bem esta a matéria da minha tese de hoje, apesar dela tangenciar as idosas. O que me cutucou o raciocínio foi que ouvi na rádio – sim, eu ouço rádio diariamente, afinal, também nasci no século passado – que Noel Rosa morreu num 4 de maio, em 1937. Ele tinha tuberculose, doença terrível naqueles tempos. Contudo, o que mais me impressionou foi que ele nasceu em 1910, dez anos depois da dona Maria.
Sim, isso é fato aritmético, diria um Watson apressado. Porém, um Sherlock ponderado tomaria a palavra para tecer sua teoria. Vamos a ela.
Vocês sabem o que a japonesa fez com sua centena de anos? Ou a dona Maria? Não? Nem eu, mas sei bem o que Noel Rosa fez com seus parcos 26 anos. Com seu ritmo e letras bem humoradas, ele revolucionou a música brasileira, alicerçou a estrada em que iria desfilar o samba, além de propiciar o surgimento da Bossa Nova, marcas registradas do estilo musical brasileiro.
Essa ponderação gerou um questionamento, daqueles que anseiam respostas filosóficas: o que eu fiz até os meus 26 anos? E até os 50, que se avizinham no horizonte? E você, caro leitor, o que fez dos anos que passam diante da janela? Age como um bom espectador ou atua vez ou outra nesta peça de teatro shakespeariana em que vivemos?
Machado de Assis quase morreu perto dos 40 anos. Teve uma síncope, algo que o prostrou na cama e o deixou com a visão turva por um bom tempo. Poderia ter ficado ali, depressivo e reclamando. No entanto, começou a ditar para sua esposa, a portuguesa Carolina, um dos mais revolucionários romances da história da humanidade: “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, lançado em fascículos a partir de 1880. Se você leu somente no colégio, releia-o, agora maduro. É outra leitura, garanto! Se você não o leu, tome tenência! Largue tudo que está fazendo e leia o livro imediatamente!
Imaginem vocês se aquela doença tivesse não só prostrado Machado, tivesse o impossibilitado de escrever. Pior, se a doença tivesse levado nosso mestre. Não teríamos Brás Cubas nem o Conselheiro Aires, muito menos Capitu e Bentinho, os responsáveis pelo mistério mais extraordinário da literatura universal de todos os tempos, conforme minha consolidada e inquestionável opinião.
Ou seja, se tivesse morrido cedo, como Noel Rosa, Machado de Assis teria deixado alguns romances, mas os mais “fracos”. Imaginem a perda para nós, leitores!
Outro aniversariante do mês, Herbert Vianna, o vocalista do Paralamas do Sucesso, escapou da morte quando o ultraleve que pilotava caiu, em 2001. Ele sobreviveu e, após uma luta pela vida, voltou a cantar e compor, apesar de perder parte da massa encefálica e ter ficado paraplégico, além de superar a morte de sua esposa no acidente.
Nesta semana, para ampliarmos as efemérides, completou 28 anos que perdemos Ayrton Senna da Silva. Lembram dele? òbvio, não é! Senna morreu com 36 anos, muito cedo, porém, quanta intensidade! Em pouco mais de uma década nas pistas, deixou seu nome eternizado na memória não só dos brasileiros, mas do mundo inteiro.
Não poderia deixar de citar que fez um ano, esta semana, que perdemos Paulo Gustavo. O ator revolucionou o modo de encenar, travestido de Dona Hermínia, criou uma mãe normal, superprotetora e irônica, aos moldes da sua, que não o terá ao seu lado neste próximo dia das Mães. Seus filmes bateram recordes de audiência. Ele tinha 42 anos quando perdeu a luta para a covid-19, infelizmente…
Tentando responder o questionamento que fiz lá no início dessa ponderação, posso concluir que tem gente que viveu muito pouco e fez muito de sua vida, como o Senna, o Paulo, o Noel. Outros, precisaram viver bastante para nos dar o seu melhor, como Machado de Assis e o Herbert.
Agora, com nova pergunta, tento concluir: qual a lição disso tudo? Não é simples, mas sempre o há.
Podemos ter uma vida curta, fazendo muito, ou uma vida longa, fazendo nada de tão especial, além de sobreviver, como as idosas centenárias. Muitos dirão que, a cada dia que passa, sobreviver ao mundo em que vivemos é uma tarefa hercúlea. Contudo, sair dele sem ter feito nada de especial, é um desperdício de dádiva tão grandiosa. Plantar uma árvore, fazer um filho, cuidar de gatos ou cachorros, escrever um livro, viajar pelo mundo, plantar alfaces. Tudo é válido, desde que marque a sua trajetória, ainda que intimamente.
Nunca sabemos quando as Moiras, as três irmãs fiandeiras que controlam a roda da fortuna, o tear onde tecem o nosso destino, irão cortar o fio que sustenta as nossas tão preciosas e frágeis existências…