Mais de dez milhões de brasileiros têm ascendência árabe, uma comunidade vibrante, dinâmica e solidária. A declaração é do embaixador Sidney Leon Romeiro, diretor do Departamento do Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, que concedeu entrevista exclusiva ao Diplomacia Business.
Na opinião do embaixador Sidney Leon Romeiro, na seara econômica, investimentos árabes têm encontrado terreno fértil em solo brasileiro. “Entre 2004 e 2019, fundos árabes investiram cerca de US$13,71 bilhões no Brasil em projetos de manufatura, transporte, logística, turismo, infraestrutura portuária, aeroportos e produção de alimentos”.
O embaixador entende que à medida que o Brasil abre sua economia para modernizar sua infraestrutura, as oportunidades para esses investidores são infinitas. “Em 2021, a corrente de comércio alcançou US$19,1 bilhões, uma variação positiva de 47,7% em relação ao ano anterior. As commodities brasileiras estão no centro da relação econômica. O desempenho dessas exportações coloca os países árabes entre as maiores parcerias comerciais do Brasil no exterior e confirma a região como destino fundamental do agronegócio brasileiro”. Veja a entrevista completa:
Diplomacia Business – Como o Brasil tem se aproximado dos países do Oriente Médio? Em quais áreas e países essa cooperação pode crescer?
Embaixador Sidney Leon Romeiro, diretor do Departamento do Oriente Médio do Ministério das Relações Exteriores do Brasil – Nós, brasileiros, possuímos laços históricos com o povo árabe, comunidade com a qual compartilhamos profundas conexões humanas e culturais, bem como ampla gama de interesses comuns. Como a diplomacia brasileira sempre recorda, temos orgulho de ser o lar de mais de dez milhões de brasileiros de ascendência árabe. Eles constituem comunidade vibrante, dinâmica e solidária, parte integrante de nossa sociedade, contribuindo assim para o progresso do país em diversas áreas. Os laços de amizade entre árabes e brasileiros devem, assim, ser celebrados e promovidos para o benefício de nossas sociedades.
Na seara econômica, investimentos árabes têm encontrado terreno fértil em solo brasileiro. A título ilustrativo, entre 2004 e 2019, fundos árabes investiram cerca de US$13,71 bilhões no Brasil em projetos de manufatura, transporte, logística, turismo, infraestrutura portuária, aeroportos e produção de alimentos. À medida que o Brasil abre sua economia para modernizar sua infraestrutura, as oportunidades para esses investidores são infinitas. Em 2021, a corrente de comércio alcançou US$19,1 bilhões, uma variação positiva de 47,7% em relação ao ano anterior. As commodities brasileiras estão no centro da relação econômica. O desempenho dessas exportações coloca os países árabes entre as maiores parcerias comerciais do Brasil no exterior e confirma a região como destino fundamental do agronegócio brasileiro.
Naturalmente, as relações vão além do intercâmbio comercial e dos investimentos de parte a parte. No âmbito da cooperação, temos também grande quantidade de parcerias entre instituições brasileiras e árabes ao longo dos últimos anos. Ilustram esses vínculos os projetos de cooperação agrícola entre a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA) e os Emirados Árabes Unidos, as parcerias entre a CCAB e inúmeros países árabes, bem como a atuação da Agência Brasileira de Cooperação (ABC) na região.
Esses países têm interesse em negócios com o Brasil, principalmente em setores que estão ou serão privatizados. Como tem sido essas negociações?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – Os países do Oriente Médio, principalmente os países da região do Golfo, vêm demonstrando interesse na participação de projetos da carteira do Programa de Parcerias de Investimentos. As tratativas ocorrem em dois trilhos paralelos: o público e o privado. No trilho público, o Governo brasileiro atua para dirimir dúvidas acerca de projetos e de questões regulatórias. Nesse sentido, é interessante destacar iniciativas como o Comitê Interministerial para a Promoção de Comércio e Investimentos entre Brasil e Arábia Saudita, no âmbito do qual foram organizadas uma série de videoconferências entre o Fundo de Investimento Público (PIF) da Arábia Saudita e órgãos do governo brasileiro.
No trilho privado, os investidores da região do Golfo buscam parceiros brasileiros com conhecimento da realidade local e capacidade de realizar grandes inversões para viabilizar a participação em projetos. Informações mais concretas sobre possíveis investimentos dos países da região no Brasil são, em sua maioria, sigilosas devido a questões contratuais. Já há, porém, resultados concretos desse interesse dos investidores árabes no Brasil: o fundo soberano Mubadala, dos Emirados Árabes Unidos, comprou a refinaria Landulpho Alves na Bahia, uma das primeiras refinarias da Petrobras a serem privatizadas. O fundo Mubadala também controla a concessionária Metrô Rio, no Rio de Janeiro.
O Brasil também quer mais mercados no Golfo. Em quais áreas os empresários brasileiros podem investir na região?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – Há grande complementaridade entre as economias dos países do Golfo e a brasileira. No âmbito de seus planos de modernização social e econômica, dentre os quais se destacam a Saudi Vision 2030 e a Abu Dhabi Economic Vision 2030, os governos do Golfo como um todo vêm buscando promover a diversificação de suas economias e setores de alta densidade tecnológica, com vistas a diminuir sua dependência do setor petrolífero. Creio que, nesse ponto, há sinergia entre a ampla capacidade técnica e científica construída no Brasil e a abundância de recursos financeiros presentes nesses países para o estabelecimento de parcerias mutuamente benéficas. Os empresários brasileiros poderiam ir além de áreas já tradicionais de investimento na região, como o agronegócio e a mineração, e explorar áreas de maior densidade tecnológica, como defesa, saúde e fármacos, entre outras.
Os países do Golfo têm economia baseada em petróleo e gás. A maior parte desses países tem buscado diversificar mercados. Como o sr. vê o futuro da comercialização do petróleo no mundo?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – Há hoje preocupação legítima da opinião pública mundial com as mudanças climáticas. Nesse contexto, a descarbonização da economia global terá efeitos irreversíveis para a indústria de combustíveis fósseis. Não arrisco fazer previsões sobre como essa tendência permanente irá afetar os preços do petróleo e gás no médio e longo prazo. Mas avalio que as grandes empresas do setor iniciarão ou darão continuidade a investimentos em tecnologias renováveis.
A Liga Árabe com seus 22 países é outra área com quem o Brasil tem se aproximado. A Liga inclusive possui sede em Brasília. Como tem sido essa relação do Itamaraty e a Liga?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – O governo brasileiro valoriza imensamente a relação política bilateral com a Liga dos Estados Árabes. Possuímos mecanismo bilateral de consultas políticas. A terceira e última reunião do Mecanismo foi realizada em modalidade virtual em novembro de 2020. Tratamos dos efeitos da pandemia da Covid-19 sobre o Brasil e os países árabes; da cooperação em temas culturais e sociais; da parceria da LEA com a Câmara de Comércio Árabe-Brasileira (CCAB); e do estabelecimento de fórum econômico árabe-brasileiro, como plataforma para promover a cooperação econômica, sob coordenação da LEA. O governo brasileiro acredita que esse espaço de diálogo bilateral é capaz de impulsionar projetos de cooperação nas áreas econômica, cultural, educacional e acadêmica, entre outras.
Que avaliação o sr. faz da guerra entre Rússia e Ucrânia?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – O governo brasileiro, como sempre, tem se colocado do lado da paz e de solução política para o conflito, que leve em consideração os legítimos interesses de segurança da Rússia e da Ucrânia e a necessidade de respeitar os princípios da Carta das Nações Unidas. Diplomatas brasileiros têm mantido intensas conversas sobre a crise ucraniana com grande número de países no âmbito bilateral e em foros multilaterais. Em todos os diálogos, o Brasil tem reiterado a necessidade de adoção de imediato cessar-fogo e instado as partes a estabelecer negociações de boa-fé que permitam a restauração da integridade territorial da Ucrânia; garantir a segurança dos envolvidos; e assegurar a estabilidade na Europa.
São muitas crises humanitárias no mundo, como na Síria, Líbano e Ucrânia. Como o Brasil tem ajudado esses refugiados?
Embaixador Sidney Leon Romeiro – Com relação à Síria, o Brasil tem manifestado preocupação com a contínua violência no país, reiterando sempre a expectativa de que a crise seja equacionada pela via do diálogo inclusivo, liderado pelos próprios sírios. Nossa diplomacia reconhece e apoia os esforços das Nações Unidas na Síria. No que se refere ao tema de refugiados, desde 2013, o governo brasileiro facilita a concessão de visto para acolhida humanitária de pessoas afetadas pelo conflito na Síria.
No caso do Líbano, o Brasil mantém atualmente iniciativas de cooperação bilateral humanitária e técnica. Imediatamente após as explosões no Porto de Beirute, em agosto de 2020, o Brasil enviou a Beirute missão que buscou identificar, em coordenação com autoridades libanesas, as necessidades mais urgentes pós-desastre. Duas aeronaves da Força Aérea Brasileira transportaram mais de seis toneladas de ajuda humanitária ao país. Além disso, a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) tem conduzido projetos elaborados de acordo com as demandas identificadas por especialistas brasileiros logo após as explosões em áreas como prevenção de incêndios e desastres, traumatologia e ortopedia para recuperação de vítimas, e ações de resiliência a desastres em ambientes urbanos.
Com relação à situação na Ucrânia, o governo brasileiro já enviou cerca 11,5 toneladas em ajuda humanitária ao país. Foram 50 purificadores de água, de tecnologia e fabricação nacionais, 10 toneladas de alimentos desidratados, e 5 kits de medicamentos para emergências médicas. A ação diplomática brasileira envolveu também a assistência prestada à evacuação de nacionais brasileiros das zonas conflagradas.