seg, 6 de janeiro de 2025

Variedades Digital | 27 e 28.12.24

CRIAR OU PROCRASTINAR, EIS A QUESTÃO!

-Buenas!

            Procrastinação! Tá aí uma palavra difícil de ser pronunciada e extremamente diferenciada de nosso léxico. Então – e aqui segue a questão motivadora de meu debate -, por que nós, reles mortais, praticamos com tanta facilidade tal ato?

Para facilitar a vida de meus tantos leitores (passaram de trinta, logo, não consigo mais numerá-los) repasso a definição do dicionário Houaiss, ele define tal palavra como a capacidade de adiar o que tem de ser feito, deixar para depois algo que deveria ser feito agora. Viram, não é tão difícil assim descobrirmos o seu significado, apesar de que eu poderia ter ido direto no todo poderoso google, mas estava com saudades de mexer no dicionário de papel, por isso citei o Houaiss, o meu primeiro dicionário de peso.

Por sinal, vocês ainda tem algum dicionário em casa, daqueles volumosos, grandes, ou se renderam totalmente às pesquisas digitais? Lembro que minha mãe chamava de “amansa-burro”, para ver o nível da educação de outrora que ela praticava. Ano passado li uma crônica do Leandro Karnal em que ele comentou que doou todos os seus dicionários por não utilizar mais nenhum. Como professor e escritor, ele tinha uma meia dúzia, ao menos. Agora, obrigou-se a se render para a consulta digital, perdemos um guerreiro…

Queria ter tamanho desapego. Não consegui me desfazer do meu portentoso dicionário, apesar de, quando fiz a valiosa pesquisa que motivou o discorrer destas linhas, sofrer um tanto para encarar suas páginas do chamado papel-jornal, finíssimas, quase translúcidas, e as letrinhas diminutas, próximas do ilegível, apesar de eu estar usando meus óculos!

Voltemos ao que aqui me trouxe: procrastinação! Não sei se deu para perceber, mas é o que estou fazendo, de uma certa maneira. Tenho uma crônica para criar (dentre outras tantas tarefas profissionais e pessoais) e só faço o que sei fazer melhor, me enrolar! Aliás, esta palavra é bem mais utilizada para substituir a que utilizei para dar título a este espaço reflexivo.

Para manter a linha coloquial, afirmo peremptoriamente: como a gente se enrola! Usando de um exemplo pessoal irei facilitar o parâmetro. Tenho por compromisso pessoal e principalmente, por prazer, a tarefa semanal de redigir uma coluna com opiniões e divagações há quase dois anos. Sabedor disso, por que cargas d’água?, muitas vezes acabo por procrastinar com tamanha força que deixo para o último momento a confecção destas linhas nem tão tortuosas assim…

Há aqueles que dizem que esta enrolação pode ser olhada com bons olhos (tá aí uma expressão difícil de contestar: como olhar sem olhos bons?), visando a conquista do objetivo, seja ele qual for. Já ouviram falar do chamado ócio criativo? Quando teu chefe te cobrar o cumprimento de tarefas, alegue que está produzindo a partir do ócio, não está simplesmente coçando o chamado saco escrotal, para usar doutra expressão popular, mas sim preparando-se para criar algo genial – mesmo que este genial não apareça para confirmar suas intenções…

Será que irá acreditar? Tudo dependerá de seu histórico produtivo, só ele irá dar respaldo para tal teorização. Baseado nesse conceito, criado pelo escritor e professor italiano Domenico de Masi, algumas empresas adotam espaços de lazer em seus escritórios, com mesas de pingue-pongue, video games, sinucas, etc. Segundo Domenico, somando aos compromissos do trabalho uma gama de estudos sistemáticos, além de proporcionar espaço e tempo para o lazer, o empregador “dará alma ao trabalho”.

Quando ouviam que o trabalho enobrece o homem, esqueceram de dizer que ele tira sua alma. Ao valorizar o ócio, o empregador devolve a “alma” aos corpos de seus subordinados. Mas será que serve para todos? Será que o procrastinar pode ser considerado ócio? Quando que nosso ócio pode ser considerado criativo? Ou é só uma desculpa para nada fazer e muito se enrolar?

Falando da busca pelo prazer e de enrolar, lembrei de Fernando Pessoa. O único e inigualável poeta português escreveu há 100 anos o poema “Liberdade” em que ele afirma:

Ai que prazer/ não cumprir um dever,/ ter um livro para ler/ e não o fazer!

Um poema que estimula deveras aqueles que já vem dotados de tendências à procrastinação, não concordam? Porém, não podemos esquecer que Pessoa era uma pessoa extremamente inteligente (perdoem o uso das duas versões com o nome dele, foi mais forte que eu). Ao sugerir que é um prazer não cumprir um dever não podemos seguir a risca, pois o poeta foi um dos mais profícuos e criativos escritores que já se pôs a escrever suas ideias no papel.

Enrolar não era com ele, pois escreveu isto e toneladas de poemas esplendorosos, apesar de pouco ter publicado, muito ele fez. Logo, podemos usar o exemplo dele e ceder um tanto na teoria, mas não nos entregarmos à tentação de procrastinar, não importa o quão forte ela possa ser.

Viram, deu certo! De tanto falar em procrastinar, consegui superá-la e concluí minha coluna! Bora produzir, mas valorizando o lazer e a diversão, mesmo por escrito!