seg, 6 de janeiro de 2025

Variedades Digital | 27 e 28.12.24

O DIA EM QUE NÃO AUTOGRAFEI NA FEIRA DO LIVRO

 

Buenas!,

            Está registrado em letras garrafais nos jornais de todo o país: finalmente chegou o dia em que eu não autografei na feira do livro. Sim, espantados leitores, apresento-lhes mais uma história verídica onde sou o protagonista, para minha infelicidade. Tem motivo a minha tristeza, eu iria autografar na Feira do Livro desse ano tão diferenciado, após décadas de planejamento. E não seria um livro qualquer, seria tão-somente o meu primeiro livro. Iria…

Desde que me conheço por gente, planejo escrever meus alfarrábios, publicar livros e ter, no mínimo, trinta e seis fiéis leitores. Acontece que, diferente de autores consagrados, como Ariano Suassuna, que escreveu todos seus livros deitado na cama e a lápis,  eu deixei-me influenciar pelo meu maior crítico, deitando a caneta por terra ou, para manter a metáfora, atirada na mesa.

Depois, com certa maturidade e alguns quilos a mais de autoconfiança, coloquei algumas páginas no computador. Fiz curso de datilografia, mas criei coragem de escrever meu tanto quando o mundo já era digital. Mesmo assim, quem disse que meu sensor me deixou em paz? Com muito esmero, ele permitiu a participação em um concurso ou outro. Apesar da valorização em alguns destes certames, meu crítico particular não facilitou a concretização de meus projetos literários.

Com o tempo e algumas décadas de estudo com os quais fui agraciado com alguma titulação; com isto, consegui dar ferramentas mais poderosas para o sensor monitorar mais ainda cada palavra escrita ou escarrada, tanto no papel, quanto na tela branca, adiando minha decisão de escancarar os escritos pelo mundo. Ele não cansava de me lembrar de uma frase que ouvimos juntos em uma palestra de Saramago diante da pergunta de um ouvinte, se devia ler ou escrever mais: “Deve ler, reler e ler, muito e sempre. Depois, com parcimônia, a escrita.

Como aconteceu com o mundo, também fui abalado pelo momento pandêmico. Diante de tantas vidas e planos que nunca serão cumpridos, encarei meu sensor e disse: – chega de tanto relutar! Imaginem se eu pegasse esta desgraça e deixasse minhas gavetas e arquivos virtuais sem a minha guarda ou de meu rigoroso sensor…

Não me contaminei com a covid-19, mas meu superego e sua capacidade crítica foram atingidos no rim. Cheio de decisão, passei a escrever e publicar minhas reflexões literárias. Inspirado, despachei os contos criados ao longo dos últimos anos e já estavam mofando no arquivo virtual do computador. Após anos de criação, um livro precisa ir para o papel. Moacyr Scliar dizia que “o ato de escrever é uma sequela do ato de ler.” Como leitor voraz que fui, sabia que o momento certo ia chegar, apesar de meu sensor.

Chegou o grande dia! Tudo encaminhado e com datas ajustadas: eu iria autografar na famosíssima Feira do Livro de Porto Alegre! Como num passe de mágica, há quase setenta anos, a praça da Alfândega, área central e arborizada da capital gaúcha e cercada de prédios históricos, recebe, bancas e livros, tornando-se  “bendita, pois semeia livros à mão cheia e manda o povo pensar”. Frase adaptada de meu xará, Castro Alves, que valoriza os livros e o pensar, objetos e atividade mais do que prementes ao mundo atual, que dizer no Brasil!

Tudo convergia para a conquista de meu mais secreto objetivo: lançar meu primeiro livro e autografar na minha Feira – reduzida em dimensões, é verdade, mas necessário para respeitar os protocolos destes momentos ainda sensíveis. Fiz os contatos necessários, garanti um horário em data nobre com antecedência, movimentei os mundos e os fundos para a divulgação de meu momento épico.

Porém, sempre há um porém e, este porém, foi um senhor porém…O livro não chegou a tempo para a tão aguardada sessão de autógrafos. Simples assim, mas vou explicar. Quando assinei o contrato com a editora, a previsão era de que o livro chegasse em até quatro meses. Porém – olha ele aí de novo – não li as letrinhas miúdas. Havia um segundo prazo pós o envio para a gráfica, o que me fez calcular errado a chegada do dito cujo. Culpa de minha total inabilidade com a tal de matemática…

No domingo e horário agendado, fui até a Feira do Livro. Peguei um jornalzinho, vi meu nome ali escrito, abaixo do título de meu livro, meu primeiro livro só meu, sonhado desde a tenra infância. Enquanto caminhava sob a sombra dos jacarandás em flor naquele entardecer primaveril, ouvi meu nome no sistema de alto-falantes do evento: “às 19h, Alessandro Castro autografa…”

Sorridente, feliz e, ao mesmo tempo, cabisbaixo, fui até o local reservado para mim e o vi vazio. A mesa em que iria sentar, receber amigos e conhecidos estava desprovida do livro e daquela página inicial branca, em que deixaria meu nome eternizado…

Apesar dos anúncios e da divulgação transformada em fake news – claro, sem intenção de o ser -, de tudo isso ficou uma lição: planejamento é mais do que necessário, ainda mais em momentos pandêmicos. Porém, o mais importante, é sempre ler as letrinhas miúdas…

P.S. A vida exige transformarmos nosso limão diário em nutritivas limonadas. Apesar do atraso, haverá sessão de autógrafos, mas em dezembro. Não será na tão aguardada Feira do Livro, mas sim, na espetacular Casa de Cultura Mário Quintana, local mais do que adequado para um evento de magnitude literária internacional. Aguardo-vos!