Não sei vocês, mas eu senti muita falta durante a pandemia de uma coisa: frequentar um cinema. Claro, também senti muita falta de viajar, mas esse é assunto para outro dia. Hoje trato da sétima arte. Recentemente, com algumas flexibilizações nas restrições, eles voltaram a operar nas principais cidades do país. Porém, quanta diferença…
Sei que não há cinemas em todas as cidades do Brasil, principalmente nas pequenas, o que é uma grande lástima. Eu sou do tempo dos cinemas de rua, quando não havia necessidade de shoppings ou outros negócios paralelos para atrair o público para as salas nem garantir a segurança dos clientes.
Quando criança, havia três cinemas em minha cidade natal, Santo Ângelo, eu disse três! Hoje, com muita dificuldade, uma brava e resistente sala ainda sobrevive, no centro da cidade, com ⅓ da antiga capacidade. Nunca esquecerei, na vida de minhas retinas nem tão cansadas como as do poeta, da vez em que lá estive pela primeira vez.
Tenho certeza que a maioria dos meus fiéis leitores também têm na memória o primeiro ingresso adquirido para um cinema. Acho que foi mais marcante que minha primeira aventura sexual. Bem, talvez nem tanto… Poderia dizer, quem sabe, que foi um degrau abaixo na escadaria que forma minhas lembranças infantojuvenis.
Era a estreia de “O retorno de Jedi” e, segundo o Google, eu deveria ter dez anos. Não lembro exatamente da minha idade, mas se o Google disse que ele foi lançado no ano em que fiz dez anos, é uma verdade verdadeira. Sinto até hoje o arrepio que correu pelos braços quando a tela se iluminou, apresentando efeitos especiais espetaculares para a época. Vibrei com aquelas naves espaciais e os sabres de luz zunindo em minha frente, deslumbrado diante daquele mundo que passava a se descortinar naquele pano branco que recebia cores inimagináveis como num passe de mágica. Tornou-se uma paixão irrefreável.
Frequentei quase todos os grandes cinemas de rua de Porto Alegre quando aqui desembarquei dez anos depois dessa estreia. Debulhei muitas risadas e deixei litros de lágrimas nos carpetes dos saudosos cinemas Cacique, Guarani, Vitória e Baltimore, onde assisti os premiados “Forrest Gump” e “Coração Valente” ao menos três vezes cada. Diverti-me com as trapalhadas e a viagem na história recente conduzida pelo ator Tom Hanks. E sofri com o herói interpretado por Mel Gibson e sua utopia de querer proporcionar liberdade para seu povo, coisa que hoje existe, ao menos física, na maioria do mundo. Já a liberdade digital, essa liberdade é controversa…
Hoje tenho os DVDs destes filmes, para matar saudades daqueles momentos, mas não é a mesma coisa. Mesmo assim, assistir filmes em casa tem seu valor, ainda mais com o receio extremamente relevante quanto à possibilidade de contaminação com o malfadado vírus. Mas posso dar meu testemunho: fui ao cinema mais de uma vez após a reabertura e posso lhes garantir que os cuidados são excelentes. Mesmo se o cidadão lamber o braço da cadeira, não irá se contaminar. As salas são higienizadas a cada sessão e ninguém senta perto de ti, a não ser que tenham comprado os ingressos juntos.
Porém, esse ainda não é o maior problema que vejo na questão dos cinemas. É, isso sim, o domínio de nossas vidas pelos serviços de “streaming”. Tirar a bunda do sofá já era complicado antes do início da pandemia. Com ela, viciamos nossos traseiros e mentes no que o controle remoto e as assinaturas de canais podem nos proporcionar. E eles têm nos proporcionado muitas opções. Não há o que não haja, como diria o ditado; tudo está lá e, se não estiver, basta assinar outro pacote. E, como já ouvi dia desses, pagar para ver um filme ou um pacote na TV é mais barato que ir ao cinema: estacionamento em shoppings, pipoca, ingresso, etc.
Tens razão, disse eu. Porém, a pipoca feita em casa, nunca é similar àquela produzida pelo cinema. Eles tem alguma receita milenar de confecção de pipocas, guardada como segredo de Estado, principalmente da minha preferida: a doce! Não que eu rejeite a salgada ou aquela com manteiga derretida, mas só encontro a doce no ponto perfeito nos cinemas. Ninguém consegue imitar em casa, que eu saiba (aceito convites para conferências de possíveis contestações).
Claro que há mais, muito mais em uma tela de cinema. Há a emoção da imagem gigantesca, o som diferenciado, o retumbar em nosso peito de cenas estridentes. Há também o foco total. Em casa, pausamos para comer algo ou irmos ao banheiro, mexermos no celular, tudo tira a atenção da tela, coisa que o cinema não nos permite. Imagine-se dizendo para o projetista: – dá uma pausa aí, vou no banheiro ver o whats e já volto!
Não é todo mundo que tem acesso ao cinema, esse esporte não é barato. Eu também assisto muitos filmes e séries esparramados no sofá, não sou negacionista do “streaming”. Contudo, não há como deixar morrer uma arte centenária. Acontece que, com a preferência pelo minimalismo das telas de celular, aliado ao conforto e a necessidade de confinamento que ainda impera, vislumbro o cinema como um prazer “vintage”. Sabem o disco de vinil que os nostálgicos insistem em dizer que tem um som melhor do que os recursos digitais? Eu tenho um 3 em 1 clássico e, admito, o som digital é melhor. E o prazer de escolher o LP, tirar da capa, do saquinho, cuidar da agulha, reclamar dos arranhões no disco?
Ir ao cinema dá mais trabalho sim, mas seus custos são um preço a se pagar pelo prazer de descobrir uma pérola cinematográfica na telona. Para encerrar, quero deixar claro que nenhuma rede de cinemas está me patrocinando, mas quero deixar aqui meu muito obrigado, irmãos Lumiére…
Notícias do dia por Germano Rigotto
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