dom, 24 de novembro de 2024

Variedades Digital | 16 e 17.11.24

ANO NOVO, TUDO NOVO! DE NOVO?

Ano passado foi assim, como no ano anterior, afinal, todo fim de ano é igual. Ao trocarmos de calendário, refazemos as promessas feitas há 365 dias, claro, isso se o ano não for bissexto. E, com a confiança ampliada pelo uso de roupas brancas, amarelas ou vermelhas, dependendo da crença individual, tudo será renovado e teremos as graças alcançadas, aleluia!

Ops! Que eu me lembre não é bem assim e, em 2020, foi pior ainda! Diferente dos finais de anos anteriores, nesse teremos a desculpa: – não consegui emagrecer, economizar, parar de fumar, de beber, de jogar, de comer doces, de assaltar a geladeira, de roncar, de resmungar, mas não foi porque eu não quis ou não tive perseverança, foi culpa desse maldito vírus! Então tá, se tu dizes…

Por que será que mudanças no calendário motivam a criação de tantas promessas vãs e irresponsáveis? Digo isso, pois sabemos que não iremos cumprir a maioria delas. Usamos roupas novas, com cores escolhidas por místicas razões, comemos lentilha ou outra coisa que sugira bonança, saltamos ondinhas em quantidade simbólica e significativa para, com fé, garantirmos dias sorridentes no ano vindouro.

Será que alguns dos meus atenciosos leitores têm comprovação da eficácia dessas práticas que remontam à crenças medievais? Falando em história, podemos ler em suas páginas que nossas atividades de final de ano tem pouco ou quase nenhuma eficiência científica.

Nós, ocidentais, vivemos o chamado calendário gregoriano, que é baseado na translação da Terra (que é redonda, não esqueça, por favor!) em volta do Sol. Por que os chineses e os israelenses, para citar dois exemplos, vivem noutra batida, utilizando também a Lua como guia, além do Sol? Eles têm o ano novo em datas bem distintas, além de contabilizarem mais de 4000 anos de história. Por que, caras pálidas ocidentais, seguimos esse tal de Gregório? Vou tentar resumir.

Desde que o homem deixou de ser quadrúpede e olhou para o céu, criou uma fascinação pelo inatingível, isso é fato. Com o passar dos tempos, mesmo achando que a Terra era plana, os povos da antiguidade entenderam que sua vida era influenciada pelos astros, criando calendários baseados na Lua ou no Sol.

Os romanos criaram o calendário juliano um pouco antes do nascimento de Cristo, que foi atualizado pelo Papa Gregório em meados do século XVI, determinando que o ano teria 12 meses e 365 dias, com pequenos ajustes de quatro em quatro anos, os chamados anos bissextos. Para ter-se uma ideia de como ele não foi consensual, demorou centenas de anos para ser aceito em toda a Europa e no resto do mundo ocidental.

Hoje ele é utilizado oficialmente para questões comerciais por praticamente todos os povos, porém, não é adotado no dia a dia em dezenas de países. Citei acima duas culturas, como poderia ter citado os hindus ou os islâmicos.

Ou seja, o findar de um ano e o início de outro é uma convenção, uma decisão política ou administrativa, mesmo que baseada em análises científicas, que não garante o findar de um ciclo para todo o planeta. Por que então nós, seres civilizados com capacidade cognitiva aprovada em testes psicotécnicos que nos habilita a dirigir e a trabalhar, cremos que uma mudança numérica irá mudar nossos destinos?

Lembram que o mundo iria acabar no ano 2000? Mas baseado em qual calendário? Se fosse no gregoriano, acabaria só para os ocidentais, afinal, chineses, hindus e judeus, já passaram pelo ano 2000 faz tempo! O famoso calendário Maia afirmou que em 2012 o mundo acabaria. Acabou? Não, estamos aí, inteiros. Quer dizer, meio capengas, mas sobrevivendo.

Avaliando essas informações, sabemos que as datas são convenções. Então, por que cargas d’água acreditamos que essa mudança no calendário vai alterar nossas vidas? A pergunta é complexa, mas a resposta é simples: porque somos humanos…

E, como seres humanos, alimentamos a vã esperança de dias melhores. Já falei de esperança por aqui, mas nunca é demais. Cremos que dias melhores virão, senão, por que fazer tanto esforço para viver e trabalhar? Por dias melhores, obviamente! Nesse afã de progresso e busca de melhorias em nossas vidas, promessas são muito bem vindas, pois sem elas não saímos do lugar. Porém, lhes pergunto, adianta prometer em vão?

Lembro de quando era criança e tinha que ir na igreja porque meu pai me obrigava. Por um tempo, mantive a peregrinação aos bancos litúrgicos; aprendi bastante com isso. Mesmo assim, havia um momento difícil: quando precisava, rezando em silêncio, revisitar meus pecados, e prometer para “Ele” e para mim que não iria mais cometer mais pecados. E olha que, hoje, seriam classificados como deslize infantil.
Momento terrível em minha formação, porque, a cada promessa, vinha a lembrança da vez anterior em que prometera não mais cometer determinado delito. E ali estava, olhos fechados, mãos unidas, repisando promessas não cumpridas… “Ele” até hoje não me cobrou essas dívidas, mas vai quê…

Ao chegar à vida adulta, como todos que conheço, segui fazendo promessas vãs e falaciosas às portas de um novo ano, alimentando expectativas, que, sabemos, precisam de iniciativa, dedicação e perseverança. Só prometer não vai fazer com que as coisas aconteçam! Ou seja…

Aliás, já que a virada do ano é repleta de simbologias, concluo com uma pouco conhecida: janeiro vem de “Jano”, o deus romano das transições, das portas, dos inícios. Que nesse ano possamos abrir as portas da oportunidade que janeiro escancara à nossa frente, desnudos de promessas, mas vestidos de belas atitudes.

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