Inconformidade. Este é o termo que melhor define o sentimento da família da jovem Anah Esther Vaz Delatorre, 19 anos, falecida há cerca de dois meses em Porto Alegre. A luta de Anah, de acordo com a mãe, Márcia Vaz, começou ainda em Sant´Ana do Livramento com diversas idas e vindas aos hospitais e encaminhamentos para aguardar em casa o resultado de exames, todos em isolamento e, todos com resultado negativo para o novo vírus. “Para surpresa, depois de dois meses quando estou tentando me reerguer da partida da minha filha recebo essa notícia aí. A questão para nós e não poder aceitar uma mentira, seja para aumentar os números para receber benefícios ou não. Isto é uma mentira e uma falta de respeito com a memória da minha filha. Quero que não mintam usando o nome da minha filha ou usando uma vantagem. Liguei de novo para a Drª e ela disse que entraria em contato com a Secretaria de Saúde do Estado. Ela é testemunha de que minha filha não teve Covid-19 em momento algum”, afirmou Márcia.
De acordo com a certidão de óbito entregue à família, Ana Esther faleceu no dia 04 de outubro no hospital Divina Providência, em Porto Alegre em consequência de um choque séptico, endocardite mitral, infecção causada por uma bactéria chamada Pasteurella Multocida. A certidão de óbito aponta ainda para morte natural e em nenhum momento traz dados relacionados à Covid-19. Para a família, a dor de perder a filha, jovem, exatamente às 17h15, do dia 04 de outubro, foi remexida agora sem uma explicação plausível, apenas um telefonema da Secretaria de Saúde do Estado informando que o nome de Anah seria incluído na lista de óbitos por Covid em Sant´Ana do Livramento, o que eleva para 12 os óbitos a partir da próxima segunda-feira.
A bactéria
Drª Rafaela, Pneumologista, repassou que ela faleceu por causa de uma bactéria chamada Pasteurella Multocida que faz parte da microbiota de gatos, cães e outros animais domésticos e selvagens, nos quais pode causar, principalmente, pneumonia e septicemia. Essa bactéria é repassada através de contato com animais de estimação como cães ou gatos. É muito rara de atacar como atacou. “Quando entra, destrói os pulmões. Os sintomas já iniciaram no fim de agosto. Infelizmente, tem como característica os sintomas gripais, o que levou os médicos a desconfiar de que seria Covid, já que são semelhantes. Têm muitos casos em que a bactéria entra na corrente sanguínea e faz um estrago tremendo. Levei ela no CHS e indicaram que seria Covid. Levei na Santa Casa e insistiram na situação Covid. Fiquei com ela uma semana em casa e corria com ela até de madrugada insistindo que tratassem dela. Alguns médicos chegaram a dizer que era depressão e diziam que mandássemos ela para casa, pelo menos umas cinco vezes. Quando saiu o resultado do Exame, no final daquela semana de agosto, ela já estava no último, no outro dia ela teve uma parada respiratória e foi entubada. O médico aqui, Dr. Marcelo D´Ávila fez tudo o que pôde, mas infelizmente não deu. Foram feitos, pelos menos, seis testes e exames de Covid e todos deram negativos. Lá em Porto Alegre consegui vaga no dia 22 de agosto, mas desde o dia 15 já estávamos lutando porque o quadro dela era gravíssimo. Lá também foi colocada na Ala Covid e passou mais três dias até sair um novo resultado e ela sair e ir para uma UTI normal já sedada e em coma induzido. Ninguém na minha casa teve Covid, ninguém adoeceu. A família toda, ninguém teve Covid-19, o que nos parece impossível que todos fossem assintomáticos”, relembrou Márcia Vaz. A mãe da jovem diz que a pior dor já passou que foi o rompimento definitivo do convívio com a filha. “Mas quero que todos saibam que é uma mentira. Quero respeito e que saibam a verdade. Isso é uma crueldade”, disse
Esther, segundo os familiares e amigos, era uma menina alegre, que gostava de animais. Era sociável, comunicativa. Adorava a vida, os amigos, a família. Lutava contra a depressão nos dois últimos anos, mas tinha toda assistência e estava se recuperando bem do tratamento. “Não faltava nada para ela. Parei de trabalhar há dois anos para ficar mais perto dela e dar todo o carinho. Minha filha teve tudo o que uma jovem da idade dela precisava. Sofremos muito com essa situação até agora e não é justo usarem o nome dela dessa forma”, desabafou.
Contraponto
Procurada para comentar sobre a situação, a coordenadora da Vigilância Epidemiológica em Sant´Ana do Livramento disse à reportagem que não iria se manifestar, por ora. Gabriela Formoso disse que essa situação terá que ser resolvida entre a família e a Secretaria de Saúde do Estado já que foram os médicos de lá (Porto Alegre), que refizeram os testes e que incluíram o nome da jovem santanense na lista. Após diversas tentativas de obter respostas por parte da Secretaria de Saúde do Estado, a orientação recebida pela Assessoria de Comunicação foi de que a situação deve ser informada através de um e-mail para que o assunto possa ser encaminhado internamente antes de ser feito o contraponto com a Direção, assessoria ou com a própria secretária de Saúde do Rio Grande do Sul. Oficialmente, na página que contém os dados relacionados a óbitos por Covid-19, em Sant´Ana do Livramento, o número na sexta-feira era de 11 (contando com a inclusão de Esther Anah), mas esse dado poderá ser alterado já na segunda-feira com a inclusão no sistema do óbito anunciado de uma idosa de 92 anos. Assim, a cidade passaria a ter, aos olhos do governo do Estado, 12 óbitos oficialmente.
Por telefone, o secretário Geral de Governo de Sant´Ana do Livramento, Ricardo Dutra, disse que o município também não aceita a decisão da Secretaria de Saúde do RS de incluir este óbito na lista. De acordo com ele, a decisão do COE estadual se baseou na revisão clínica do caso e não nos testes PCR e rápidos que foram feitos no decorrer do período. “Assim como a família também contestamos e não aceitamos essa situação”, frisou.