Buenas,
Alessandro Castro
Era uma tarde agradável de outono, estava eu na antiga capital do império, atual cidade maravilhosa. O jovem interiorano estava diante do templo do futebol, o majestoso estádio Mário Filho, apelidado de Maracanã. Seu coração batia mais forte, tal a emoção de encarar um monumento do esporte mundial. E esse não era o momento mais importante do dia.
Preferi iniciar esse relato num tom emocional, sensível, remetendo à sensação daquele dia tão marcante em minha memória. Estávamos em Abril de 2009, o Brasil “surfava” uma onda confortável. No ano anterior, uma grave crise econômica atingiu quase todo o mundo, em especial os EUA. O Brasil saíra quase ileso, alçando-se a protagonista no cenário mundial. Éramos primeiro mundo! Vã ilusão… Esses bons tempos, ao que parece, não voltarão tão cedo.
O período era tão bom que o país candidatou-se a realizar a Copa do Mundo e os jogos Olímpicos em sequência, vejam o nível da ousadia. E ganhamos, as duas! Foram eventos belíssimos, movimentaram o país e trouxeram turistas do mundo todo, enchendo de orgulho a nação.
Infelizmente, tivemos o inesquecível 7×1 para a Alemanha e pouquíssimas medalhas olímpicas. Não bastasse isso, tivemos corrupção, subornos, desperdícios e outras tantas falhas típicas de nossas malfadas administrações. As arenas construídas seguem subutilizadas, numa eterna falta de consideração com o esporte para a formação do caráter de uma sociedade. Apesar disso, foram eventos grandiosos!
Como estava dizendo, estava diante do maior estádio de futebol do mundo, que receberia a abertura e encerramento das Olimpíadas de 2016 (quem consegue esquecer a Gisele Bündchen desfilando no estádio, majestosa?). O Comitê Olímpico Internacional – COI, estava no RJ com uma equipe de ex-atletas para avaliar a cidade, dar um parecer se ela teria condições de abrigar evento tão grandioso.
Eu fazia parte da equipe que garantia a segurança dos jornalistas internacionais e dos integrantes do COI. Imaginem se algo acontece com algum deles, adeus candidatura, adeus jogos!
Ao Ingressarmos no estádio, tentei explicar aos jornalistas a emoção infantil que me dominava diante daquele cenário. Quando criança, antes de uma sessão de cinema, passava um resumo da semana futebolística no “Canal 100”. A música está tocando em minha cabeça nesse momento, enquanto revejo os lances em velocidade reduzida. Desculpem os mais novos, mas aquilo era inebriante!
Eis que a bola rolou naquele gramado, ao vivo, não em minha memória. O estádio estava vazio, mas os alto-falantes vibravam como em dia de jogo, reproduzindo o som das torcidas. A recomendação que recebi dizia para ficar um pouco afastado. Porém, ver os jornalistas e membros do COI batendo uma bola, era um chamado irresistível, mesmo estando de blazer e sapato social.
Não era todo dia que tinha uma bola oficial e a goleira do Maracanã diante de mim. Modéstia às favas, esbanjei toda minha habilidade, mas não obtive a atenção dos gringos. Estavam boquiabertos, mas não com meu domínio, olhavam para o outro lado do gramado. Cutucavam-se uns aos outros, apontando para alguém que vinha correndo em direção a eles. Deve ser um reforço de peso, pensei. E era.
Recordistas olímpicos do tamanho de um Alexander Popov, da natação, para citar um dos gigantes que estavam ali representando o COI, passaram a agir como crianças estupefatas diante de um ídolo. Não era para menos. ali, trocando passes com eles, estava Pelé, o maior atleta do século XX, conforme eleição realizada pela revista L’Equipe, em 1981. Ele foi escolhido em votação realizada por jornalistas do mundo todo, superando Jesse Owens e Mohamad Ali, para citar duas lendas do esporte mundial.
Esbanjou seu talento, apesar da idade, e simpatia, sorrindo e posando para fotos com todos. E eu ali, distante, não deveria aproximar-me muito, afinal, era da equipe dos bastidores, precisava garantir o sucesso do evento, não podia misturar-me às celebridades.
Inesperadamente, recebi uma bola passada por aqueles pés que marcaram mais de mil gol. Sem pensar muito, levantei a redonda, matei no peito e, sem titubear, como cabe aos craques, aprumei a canhota e coloquei no canto, indefensável para o goleiro imaginário. Recebi um olhar de aprovação daquele monstro sagrado dos esportes.
Nos corredores do vestiário, apesar da pressão dos seguranças que lhe acompanhavam e da recomendação da coordenação do evento, consegui uma foto. Não era selfie, como hoje é praxe, fora de máquina mesmo, às pressas, sem tempo para ajustes ou várias poses, mas registrou para a eternidade aquele momento.
Nesse ano tão diferente para todos, Pelé fez 80 anos. Após a aposentadoria, fez filmes e músicas terríveis, além de rejeitar uma filha bastarda. Quem não tem pecados, que alce aos céus junto a lençóis brancos e puros.
Fiquemos com o exemplo que deu como atleta e como embaixador informal do Brasil e do esporte. Principalmente, com o discurso que fez para que cuidemos do futuro das crianças, sem esquecer nenhuma, muito menos aquelas que estavam no Maracanã naquela tarde de outono, sejam elas ex-atletas olímpicos, jornalistas internacionais ou eternas crianças vindas do interior realizando o sonho de jogar bola com o maior de todos…