Por alguma razão começou a nascer um mercado dos filmes “explicados”, em que as pessoas buscam críticas e vídeos que possam dizer o que não se entendeu de um filme. Não sei exatamente ao que se deve, mas possivelmente tenha relação com a necessidade das pessoas precisarem “entender” o filme, como algo essencial para saber se o filme é bom ou não. Isso ocorre muito quando o filme não prioriza a narrativa, deixando a história aberta ou até mesmo, não deixando explícito sequer qual é a história do filme. Obras mais sensitivas e experimentais não costumam se prender à uma narrativa, não são objetivas nesse sentido. Quando você for assistir a esses filmes, não se preocupe em entender absolutamente tudo o que acontece. Muitas pessoas ficam obcecadas por “decodificar” um filme e não aproveitam a experiência que a obra oferece. É claro que, ao entender mais sobre a linguagem, a nossa sensibilidade vai aos poucos se desenvolvendo. Mas não vamos esquecer que um filme é, antes de tudo, uma obra de arte. E uma obra de arte deve funcionar de forma independente, deve dialogar com qualquer pessoa acima de qualquer contexto. Um grande filme não é um grande filme apenas por motivos intelectuais, mas também por motivos sensoriais, pelo que você sente ao assistir. Esteja, antes de tudo, aberto às sensações que o filme oferece.
Isso não é um problema! Não pense que tenho a intenção de dizer como você deve assistir aos filmes, sequer quais filmes deve assistir, apenas trago um pensamento que pode servir como reflexão, caso você se identifique com isso. Vejo problema, apenas quando alguém, às vezes até mesmo o próprio autor da obra, resolve dizer o que tudo significa no filme, como uma verdade absoluta. E por que vejo como um problema? Porque limita a obra a apenas aquela interpretação específica, sendo que, o diálogo dos espectadores sobre aqueles elementos, podem propor a expansão da obra para além do que ela foi criada. Limitar a obra e encontrar seu significado específico não fará da obra um filme melhor, pelo contrário, o fará limitado a uma compreensão, que não necessariamente será o melhor e impossibilitará uma compreensão subjetiva que poderia elevar o aspecto geral da obra.
Em geral, ficamos muito presos ao aspecto objetivo de um filme, ao que as coisas significam na história. Deixamos de lado o aspecto sensorial. Chegamos ao ponto de deixar de lado o nosso sentimento em relação ao filme para tentar “entendê-lo”. Os dois aspectos são importantes, tanto o objetivo como o sensorial, e um não anula o outro. Quando digo isso é em razão de ser possível apreciar filmes objetivos da mesma forma que se aprecia filmes sensoriais. Mas muitas vezes ao começar a estudar cinema se busca “entender demais” os filmes. Há um excesso de empenho em decodificar os filmes. E algo básico é deixado de lado: sentir os filmes, assimilar a dimensão sensorial das obras.Marcel Martin diz: “Ficamos mais comovidos com a representação que o filme nos oferece dos acontecimentos do que pelos próprios acontecimentos”. 2001 – UMA ODISSEIA NO ESPAÇO é um excelente exemplo do poder objetivo e ao mesmo tempo sensorial do cinema. O filme conta a sua história de forma objetiva –o diretor é muito claro e nos localiza bem nas cenas – ao mesmo tempo que, no desenrolar dos seus acontecimentos, o longa propõe elementos simbólicos e abstratos que refletem sobre mistérios da humanidade e da origem do homem. Dessa forma, se torna praticamente impossível “entende-lo” em sua totalidade. DISFORIA é um recente filme nacional que explora o “final aberto”. A história que parece ser linear e narrativa, ao longo do tempo, demonstra elementos sensoriais muito significativos e que culmina com uma conclusão totalmente abstrata. Esses e outros filmes buscam justamente essa ideia sensorial e é possível apreciar a qualidade da obra sem precisar decodifica-la.