Sou do tempo do corso na Sarandi. O corso se estendia da esquina da Tamandaré com a Rua dos Andradas e penetrava naquela avenida. Não havia tantos veículos como hoje, mesmo assim os carros e caminhões andavam conectados entre si pelo volume de serpentina e confete que eram jogados.
O povo das duas cidades se concentrava naquele trajeto e valia tudo como brincadeira. Quem organizava as turmas que iam de caminhão, levavam tonéis de água para jogar nos passantes da avenida e o uso do lança-perfume não era proibido. Como hoje, os bares punham as suas mesas nas calçadas e quem estava tomando cerveja ali que cuidasse o seu copo ou recebia uma lufada de confete, jogada por algum “amigo da onça”.
A gurizada arranjava o material para as fantasias, que normalmente incluíam máscaras, a fim de encobrir os envolvidos nas broncas que aconteciam e seus blocos começavam a azucrinar desde o entardecer.
O corso não dispunha desta parafernália da tecnologia que produz som com milhares de watts de potência e que é capaz de perfurar o tímpano. A alegria dos blocos musicais que percorriam a avenida também levava atrás de si um enumerável contingente de foliões que se divertiam até a hora de rumarem para os bailes nos clubes sociais ou em outros locais.
Os principais clubes traziam excelentes bandas para abrilhantar os bailes e antes de seu início a Diretoria conseguia um caminhão e a banda ia dar uma canja na Sarandi, acompanhada pela rainha e da coorte do carnaval devidamente fantasiadas. Os representantes comerciais, os chamados “viajantes” montavam os seus roteiros de viagens pelo interior do Estado de tal forma que pudessem passar o carnaval em Sant’Ana.
Há mais de quatro décadas passadas, tudo mudou. A administração pública e os ditos carnavalescos resolveram mudar a estrutura do carnaval. A população passou a ficar sentada em arquibancadas na avenida, para assistir passivamente a passagem de blocos e escolas de samba, subvencionados com dinheiro público.
Com efeito, o que passou a se chamar de carnaval tinha a participação de umas mil pessoas divididas entre os blocos, escolas e murgas de Rivera que desfilavam pelas ruas das duas cidades e em torno de uns cinco mil que se postavam nas arquibancadas e em calçadas para assistir os desfiles em cada noite.
Desde aquela alteração, a assistência não podia sair atrás do bloco para sambar, porque os cordões de segurança impediam que houvesse a manifestação espontânea dos mais entusiasmados pelas evoluções dos passistas. Era assistir e depois voltar para casa.
Se anteriormente as pessoas iam com ricas fantasias para o corso, depois passou a se ver nos blocos as camisetas dos clubes de futebol e as de divulgação comercial. Tudo isto tem a sua razão. Hoje, a televisão e a Internet nos colocaram dentro da aldeia global; podemos até participar dos julgamentos das escolas dos grandes centros em perfeita interação com o evento. Com isto aquele corso sensacional ficará apenas na lembrança.
O que se vê nos dias de hoje, apesar do aumento da população, é o desinteresse pelos desfiles de Momo por aqui.