Com uma cidade fora dos padrões de acessibilidade, os santanenses portadores de necessidades especiais precisam enfrentar grandes desafios diariamente
O primeiro desafio surge logo no começo do dia: sair de casa. Os fatores que contribuem para que uma simples e rotineira ação, para as pessoas que não são portadores de nenhuma necessidade especial, se torne um grande obstáculo são vários. A condição das calçadas, principalmente na zona central da cidade, é um deles. Transitando pelas principais vias de Sant’Ana do Livramento não é difícil encontrar o passeio público com buracos, desníveis e até mesmo grande quantidade de lixo ou entulhos acumulados, o que dificulta a passagem de uma pessoa com cadeira de rodas, por exemplo.
Aumentando a lista de obstáculos, para as pessoas que têm necessidades especiais, ainda deve-se observar o transporte público. De acordo com um levantamento realizado pela Reportagem do Grupo A Plateia junto a três das quatro empresas que operam na cidade, ao todo, 36 veículos cumprem as 15 linhas existentes. Deste montante, apenas três possuem adaptação para receber cadeirantes.
Vale destacar que os dados foram coletados sem contar as linhas operadas no bairro Armour. Isso porque a empresa responsável pelos trajetos não foi localizada através dos telefones informados em suas redes sociais. Tampouco seus gestores, quando procurados, atenderam ou retornaram as ligações.
Sobre isso, José Ivo Correa Alves, cadeirante há 18 anos em decorrência de uma lesão medular, comenta que o transporte é o maior problema. “Hoje eu tenho um carro, mas eu passei 16 anos pagando táxi, pedindo carona, esperando que alguém viesse me pegar. Trabalhei por três anos e tinha que pagar alguém pra me levar e me trazer. Eu trabalhava só para dizer que eu fazia alguma coisa’’.
Alves, que atualmente cumpre a função de Primeiro Secretário da Associação Santanense do Deficiente Físico (ASSANDEF), explica que precisava tomar táxi ou pedir carona devido à falta de ônibus da rede pública de transporte adaptados para receber cadeirantes. “Eu tenho o meu carro também, mas se eu posso ir de ônibus, eu vou poder me movimentar mais, vou poder estar vivendo e tem a economia também’’.
Como resultado da falta de acessibilidade no transporte e nas vias públicas, Alves revela que já chegou a perdeu algumas oportunidades profissionais. “Já perdi três ou quatro empregos por conta disso. Uma vez ouvi um anúncio na rádio de uma vaga para deficientes em uma loja bastante conhecida da cidade. Quando cheguei lá, me disseram que eu não servia porque tinha que subir escada’’.
Por falar em escadas, em uma entrevista concedida ao Jornal A Plateia em dezembro do ano passado, a Presidente da ASSANDEF, Sílvia Dias, que também é cadeirante, deu uma declaração falando sobre a falta de adaptação nos prédios públicos. “Eu já deixei de prestigiar eventos na Prefeitura por falta de acessibilidade no Palácio Moyses Vianna’’, disse.
O QUE DIZ O PODER PÚBLICO?
Para saber quais as medidas que a administração municipal pretende adotar em relação à acessibilidade em seus prédios e também nas áreas públicas, procuramos o titular da Secretaria Municipal de Planejamento (SEPLAMA), Miguel Pereira.
Pereira afirma ter ciência das necessidades da cidade em relação ao assunto e que a ideia de acessibilidade não deve ser restrita apenas às pessoas com deficiência. “Um idoso, por exemplo, precisa de acessibilidade, uma gestante, alguém que está temporariamente machucado. Então, a gente deve trabalhar com uma outra ideia, que é a ideia de acesso universal’’, observa.
O secretário disse ainda que, ao todo, são 108 prédios sob a responsabilidade da Prefeitura de Livramento, entre órgãos, escolas e repartições, e que este número torna uma readequação completa praticamente inviável, observando o grande custo de reformas dessa dimensão.
Quanto à situação do Moyses Vianna, Pereira diz que é possível enquadrar a construção dentro das normas de acessibilidade, porém, ele não sabe como fazer. “Precisa um projeto de restauro. Recuperar todo aquele prédio, dentro das leis de restauração e prover acessibilidade. De que forma vai ser dada a acessibilidade? Nós precisamos de um arquiteto, uma pessoa competente nessa área que nos diga’’, afirmou.
Mesmo assim, o secretário disse que é questão de honra definir a situação da casa do Poder Executivo e a da biblioteca pública. “Nós temos hoje um grupo de arquitetura trabalhando nesse prédio. Nós temos oito prédios tombados para trabalhar […] temos muita coisa para fazer. Muito serviço acumulado’’, pontuou.
Sobre o transporte público, foi enfático: “Todos os carros tinham que ter um acesso universal. Quando é que nós vamos construir isso? Licitando o transporte coletivo. Têm contratos de transporte coletivo em Sant’Ana do Livramento que são de 1992. Em 2004, o (Guilherme) Bassedas fez um termo de ajustamento de conduta com o Ministério Público, que previa a licitação do transporte coletivo. De lá pra cá, nunca conseguimos fazer. Tem que fazer uma licitação e na licitação já incluir todas essas normas novas’’, aponta.
Murilo Alves | [email protected]