Os pais e os dois filhos viajaram mais de 6 mil km de carro até chegar em Livramento
Há pouco mais de dois meses, Sant’Ana do Livramento abriga uma família carioca em situação de vulnerabilidade e com um dos seus filhos diagnosticado com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). A família, que está alojada na Sociedade Internacional de Auxílio aos Necessitados (SIAN), aguarda o fim do processo de emissão da documentação fronteiriça.
Com um orçamento de R$ 400,00, algumas doações e muita esperança, a família da Silva deixou o Rio de Janeiro em junho com destino a Santiago, no Chile. A bordo do automóvel da família, um Volkswagen Gol ano 1995, Cláudio José Alves da Silva, 59, Célia Xavier dos Santos, 42, Cláudio José Xavier Alves da Silva, 12 e Samuel José Xavier Alves da Silva, 8, percorreram mais de 6 mil quilômetros.
O motivo da viagem era garantir o acesso ao tratamento à base de canabidiol para o filho Samuel. Célia conta que antes do diagnóstico, já suspeitava que o caçula tinha alguma limitação porque o seu desenvolvimento era um pouco mais lento. Com a descoberta dessas condições, a mãe, à época educadora infantil, abriu mão do emprego para buscar assistência ao filho. “Eu precisava estar presente, porque ele não caminhava e também não falava’’, comenta.
A partir daí, começou uma rotina de consultas e exames até que o tratamento adequado fosse encontrado, porém, ao longo do tempo os efeitos colaterais começaram a ficar mais evidentes e os resultados positivos eram cada vez menores, foi quando a família descobriu as medicações à base de canabidiol. A contrapartida é que a substância ainda não havia sido liberada no Brasil.
A mãe encontrou uma oportunidade nos grupos que entravam na justiça para conseguir a autorização para importar os medicamentos, mas relata que não obtiveram retorno. “É porque a gente mora em comunidade e eles em bairro nobre. Fui em vários grupos e eles falavam que iam ligar e até hoje nada’’.
Rumo ao Chile
Com mais pesquisa, a família soube de um instituto chileno que oferecia o tratamento com a substância na capital e sem hesitação, a viagem foi decidida. Os quatro deixaram para trás a casa, emprego, amigos e familiares e partiram. Na bagagem, levaram caixas de doces para vender pela estrada e garantir o dinheiro para a gasolina.
Quando chegaram ao seu destino, veio a notícia de que o tratamento já não estava mais sendo oferecido para estrangeiros. A saída então era voltar ao Brasil, mas durante o trajeto o automóvel teve alguns problemas mecânicos. A solução veio através da embaixada brasileira que disponibilizou as passagens de ônibus até a cidade de Uruguaiana.
De volta ao Brasil
Já em solo brasileiro, os quatro rumaram até Livramento, após serem informados que no Uruguai o tratamento já estava disponível. Chegando na Fronteira, receberam ajuda da Secretaria Municipal de Assistência e Inclusão Social e do vereador Carlos Nilo (Progressistas). Agora a família aguarda a conclusão do processo para que Samuel possa receber a medicação.
Sustento
Para Cláudio, além de conseguir o tratamento para o filho, o seu principal objetivo é encontrar uma forma de sustentar a família. “Eu sou técnico em refrigeração, sempre fui, larguei tudo para fazermos essa viagem, agora eu só quero trabalhar para poder pagar um aluguel de uma casa, comprar comida e os remédios pra ele’’, afirma.
De acordo com a Secretaria de Assistência Social, a família deve permanecer acolhida até a emissão de toda a documentação necessária para que o tratamento seja viabilizado no lado uruguaio.
Uso de canabidiol no Brasil
Desde o último dia 3, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) aprovou a regulamentação do registro e da venda de medicamentos à base de cannabis no Brasil. Após esta decisão, a ANVISA estima que pelo menos 13 milhões de pacientes sejam beneficiados. Ainda nesta semana, Luiz Henrique Mandetta, ministro da Saúde, disse em entrevista à Folha que a inclusão desses medicamentos no Sistema Único de Saúde (SUS) está em estudo. Entretanto, o cultivo em território nacional foi vetado por três votos a um. O único voto favorável ao plantio foi o de William Dib, presidente da agência.