O número de mortes por câncer no Rio Grande do Sul chega a 21,76% do total de óbitos registrados no Estado, atrás apenas das doenças cardiovasculares. O índice gaúcho é maior do que a média nacional, que está em 16,29%. Em Porto Alegre, porém, a quantidade de pessoas que morrem por neoplasias é ainda maior: chega a 23,11% do total. O levantamento de GaúchaZH cruza os dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Painel de Monitoramento da Mortalidade do Ministério da Saúde de janeiro de 2013 até o terceiro trimestre de 2019.
Os dados apontam que, a cada cinco pessoas, uma morre por câncer no Estado. Em seis anos, das 509,8 mil mortes registradas em solo gaúcho, 110,9 mil foram por algum tipo de tumor maligno. A estimativa é de que, até 2029, a maior causa de óbitos no Brasil seja as neoplasias. Já em Porto Alegre, essa mudança pode ocorrer antes.
— Os dados consolidados de 2017 apontam que, entre os homens, o câncer já era o fator principal de óbito naquele ano — destaca Rafael Vargas, oncologista e epidemiologista da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e professor do curso de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).
A questão, agora, é como a saúde pública está se preparando para diagnosticar e tratar os pacientes oncológicos.
— Quanto mais demorado, mais caro custa o tratamento — destaca Vargas.
De acordo com o Painel Oncologia do Datasus, banco de informações do Sistema Único de Saúde (SUS), 168 casos de câncer de mama foram contabilizados em Porto Alegre só neste ano. Do total, 72 aguardam tratamento por mais de 30 dias, sendo 31 há mais de dois meses. Já em relação ao câncer de próstata, foram 121 casos confirmados na capital gaúcha em 2019 – 24 deles aguardam tratamento há mais de um mês.
— Nós avançamos muito no tratamento de doenças cardiovasculares, reduzindo o número de mortes. Mas agora se apresenta um novo desafio: como evoluir para reduzir as perdas em relação ao câncer — questiona.
Conforme o médico Marcelo Capra, chefe da oncologia do Hospital Nossa Senhora da Conceição, de Porto Alegre, do total de internações que a instituição realiza, 25% são em decorrência de neoplasias.
— Precisamos de um sistema de acompanhamento do paciente. Daquele que está lá na ponta, na unidade básica de saúde. Isso porque a cada semana de atraso, por exemplo, o câncer de mama perde 1% da chance de cura. Além disso, o paciente com o tumor mais avançado custa o dobro do paciente em estágio inicial — destaca Capra.
Doenças cardiovasculares x câncer
Em 2029, o número de mortes por câncer no Brasil deve superar a quantidade de óbitos provocados por doenças cardiovasculares, como infarto e AVC. No Rio Grande do Sul, porém, a mudança pode ocorrer antes. Segundo a Secretaria Municipal da Saúde, Porto Alegre apresenta empate técnico entre as duas principais causas de morte. Se olhar apenas para o número de óbitos de homens em 2017, o câncer já é o fator principal. Somente entre as mulheres a doença cardiovascular ainda ganha – com uma pequena vantagem.
— Isso mostra que estamos evoluindo no tratamento das doenças cardiovasculares e que nossa população está envelhecendo — observa o oncologista Rafael Vargas, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
Além da idade da população, o Rio Grande do Sul apresenta alguns fatores que contribuem para a incidência de doenças oncológicas. Para Marcelo Capra, é um conjunto deles:
— A faixa etária da população, já que o câncer é mais comum em pessoas mais velhas; a rede de saúde é maior, permitindo mais diagnósticos; o consumo de carne vermelha, os índices de tabagismo e a cor da pele clara — cita.
Índice de morte por câncer maior pode apontar melhora em outras doenças
O aumento no número de mortes por neoplasias pode revelar um dado interessante: de que estamos evoluindo no tratamento de outras doenças. Isso porque a quantidade de óbitos por tumores malignos está relacionado também à melhora do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
— No começo, morríamos por infecção: cólera, peste negra, varíola. Isso devido à falta de saneamento básico. Depois, na era da industrialização, passamos a morrer por doenças cardiovasculares. Mas tivemos uma revolução cardiovascular, com início na década de 1970, com avanços no tratamento dessas doenças. E a previsão, para 2029, é de que o câncer será a principal causa de morte no mundo — detalha o oncologista e epidemiologista Rafael Vargas.
Em 1900, a estimativa de vida era de 34 anos. Hoje, está em 76. Para 2060, a média será de 80 anos.
— Vivemos mais e quanto mais vivemos, mais chance temos de desenvolvermos uma doença. Temos que morrer de alguma coisa — reitera.
A diretora-geral do Hospital de Pronto Socorro (HPS) de Porto Alegre, Tatiane Breyer, destaca um ponto importante: o envelhecimento da população, que na Europa levou alguns séculos, no Brasil ocorreu em 50 anos.
— Não estamos preparados para o envelhecimento da população. Inclusive para o financiamento da saúde dessa população — destaca.
600 mil novos casos por ano
De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (Inca), vinculado ao Ministério da Saúde, o Brasil deve registrar 420 mil casos novos de câncer em 2019. Se contabilizado o câncer de pele não melanoma, com menor índice de mortalidade, serão 600 mil casos. Os cânceres de próstata (68 mil) em homens e mama (60 mil) em mulheres serão os mais frequentes.
Desafios da cidade contra o câncer
Desde o início do ano, a prefeitura de Porto Alegre integra um movimento global de estudo sobre os desafios das cidades contra o câncer. Chamado de City Cancer Challenge, a capital gaúcha foi escolhida, justamente, pela quantidade de óbitos por neoplasias.
— Se a gente tem tantos centros médicos, tanto serviço na área da saúde, por que temos tantos morrendo por câncer? — questiona a coordenadora adjunta de Atenção Hospitalar da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, Tatiane Breyer.
Essa e outras questões devem ser respondidas ao longo do programa, que tem duração de dois anos.
O City Cancer Challenge (C/Can) foi lançado em 2017 pela Union International Cancer Control como uma resposta integrada aos objetivos de desenvolvimento sustentável relacionados à saúde. Em janeiro de 2019, a City Cancer Challenge Foundation tornou-se uma organização independente, com sede em Genebra, na Suíça. O objetivo é criar uma comunidade global de cidades e parceiros que trabalham em conjunto para desenhar, planejar e implementar soluções sustentáveis de câncer para salvar vidas.
Além da capital gaúcha, outras seis cidades participam dessa iniciativa global. Conforme Stephanie Shahini, gerente local do C/Can, uma rede única de parceiros locais, regionais e globais é acionada para trazer assistência técnica, recursos e competências
— O modelo do C/Can capacita os líderes locais para impulsionar o processo a partir do zero. Um comitê executivo multissetorial em cada cidade prioriza necessidades específicas, identifica parceiros para capacitação, estabelece modelos de financiamento sustentáveis e monitora e compartilha resultados com outras cidades do mundo — detalha.
“Quem procura acha, mas também acha a cura”, alerta especialista
Para Tatiane Breyer, enfermeira e diretora-geral do HPS, é necessário que as pessoas fiquem atentas aos sinais do corpo e não os negligenciem.
— O ditado pode dizer que quem procura acha. Mas eu complemento: quem procura acha, mas também acha a cura — aconselha.
Conforme o oncologista Marcelo Capra, as pessoas têm responsabilidades sobre a sua saúde.
— Também temos que fazer a nossa parte — adverte.
Do total de casos de câncer, 65% estão relacionados ao tabaco e à alimentação.
— No quesito alimentação, entra o sedentarismo e o consumo de embutidos e carne vermelha — alerta o médico Rafael Vargas.
Leis obrigam diagnóstico e tratamento em 90 dias
A partir de maio de 2020, entra em vigor a lei que exige que os exames para diagnóstico de câncer pelo SUS devem ser realizados no prazo de 30 dias, após a primeira suspeita do médico. Publicada no Diário Oficial da União no dia 31 de outubro, a medida começa a vigorar em 180 dias.
O dispositivo altera a Lei 12.732/2012, que prevê 60 dias entre o diagnóstico e o início do tratamento do câncer em pacientes do SUS. O problema é que não previa prazo para o diagnóstico. Agora, foi acrescentado o prazo máximo de 30 dias para a realização de exames para investigação da condição do paciente, mediante solicitação fundamentada do médico responsável. O texto é fundamentado no fato de que o tempo de identificação da doença impacta no tratamento e na chance de cura do paciente.