Na Região Metropolitana de Porto Alegre, o comércio de terrenos e casas acontece livremente, com intermediação até de imobiliária. MST/RS diz que não tem conhecimento dos casos denunciados na reportagem.
Fantástico denuncia fraudes em programa de reforma agrária
Lotes de assentamentos da Reforma Agrária são vendidos irregularmente no Rio Grande do Sul. Na Região Metropolitana de Porto Alegre, o comércio de terrenos e casas acontece livremente, com intermediação até de imobiliária, como revelou no domingo (24), no Fantástico, uma reportagem produzida pela RBS TV.
No estado, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária mantém 343 projetos de assentamento com 12.490 famílias em 97 municípios, mas nem todos fazem uso da terra de acordo com as normas. Já o governo gaúcho é responsável por 145 assentamentos onde vivem 3 mil famílias.
Em nota, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Rio Grande do Sul (MST/RS) diz que não tem conhecimento dos casos denunciados na reportagem. “Se verdadeiros, são isolados, e não são práticas apoiadas pelo Movimento”, diz a nota.
Para o MST, que afirma ser contra a venda de terras, diz que cabe ao governo, como proprietário dos lotes, fiscalizar e tomar as devidas providências.
Em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana de Porto Alegre, existe o Assentamento do Irga (Instituto Rio Grandense do Arroz). No local, há um feirão de terrenos e casas, e existe até uma pista de motocross.
Sem saber que estava sendo gravado, o dono de uma funilaria, que fica neste assentamento, disse que adquiriu a área há 10 anos por R$ 20 mil.
“E hoje, vale quanto?”, perguntou o repórter.
“Os caras já me ofereceram 100 pila, mas eu não vendo”, respondeu o pequeno empresário.
O dono da funilaria disse que é preciso cautela, caso alguém pergunte quem é o dono do terreno.
“Tem que dizer que está emprestado?”, questionou o jornalista.
“Não pode dizer que comprou, porque se disser que comprou pode prejudicar o senhor e o cara que vendeu”, responde o empresário.
A especulação tornou a área de terras um verdadeiro loteamento clandestino, com novos moradores chegando a todo momento. Tem até sítio à venda em uma imobiliária, a R$ 130 mil. Como a terra pertence ao estado, não pode ser escriturada. Quando oficializadas, as transações são registradas através de contrato de compra e venda. O secretário da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural do estado, Luis Antonio Covatti, disse que vai investigar.
“Como uma imobiliária faz toda essa prestação de serviço, querer vender uma propriedade que não tem registro em cartório, acaba caindo em uma irregularidade que, obviamente, o estado tem que sim fiscalizar”, afirma o secretário.
A imobiliária Auxiliadora Predial informou em nota que “todos as vendas de imóveis, intermediadas pela empresa e/ou franqueados, passam por uma análise completa de documentação antes da elaboração do contrato de compra e venda por escritório de advocacia especializado”.
A Auxiliadora acrescentou ainda que “na região onde se localiza esse imóvel existem lotes que não pertencem ao assentamento do IRGA e são passíveis de venda. Assim que a empresa teve conhecimento da situação deste imóvel, ele imediatamente foi retirado de oferta”.
Outra irregularidade foi identificada pela RBS TV em um assentamento em Nova Santa Rita, também na Região Metropolitana. Na área de terras, já existem proprietários revendendo terrenos adquiridos de assentados.
“Isso aqui era um lote todo, entendeu? Naquela casa, tudo era um lote, era uma coisa só, era só um proprietário. Ele vendeu, aí nós compramos, eu e o vizinho da frente compramos”, disse o vendedor.
“E como é que está no caso para escriturar? Como é que faz?”, questionou o repórter.
“Daí tem que esperar vir um documento. A gente consegue fazer no cartório um contrato de compra e venda, para assegurar por enquanto” responde o vendedor.
Assentamento tem até parque aquático
Um parque aquático com arrendamento de terrenos foi montado no assentamento localizado na Fazenda Annoni, em Pontão, berço do MST.
Considerado irregular pelo governo federal, o empreendimento está registrado na Receita Federal desde 2005. No local, foram instaladas piscinas, pista de motocross e um loteamento, no qual, qualquer pessoa pode alugar terrenos para construir cabanas de veraneio.
A reportagem falou com o filho do dono do lote, que administra a empresa.
“Alugamos por dois salários por ano. Fazemos um boleto por mês. Dá cento e sessenta e poucos reais por mês. Em vez de comprar, aluga no caso. Daí, algum dia se o pessoal não quiser mais, vende o imóvel, e quem compra a casa continua pagando para nós o aluguel”, disse o administrador.
“Mas daí a pessoa constrói a casa por conta própria?”, perguntou o repórter.
“Sim”, responde o filho do dono do lote.
“Quantas já tem?”, questiona o jornalista.
“Tem umas setenta e poucas”, afirma o administrador.
O secretário nacional de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Antônio Nabhan Garcia, disse que vai pedir abertura de investigação ao Incra.
“Ninguém tem direito de vender lote, de vender casa, ou de transformar lote de assentamento em estância ou ponto turístico de veraneio, está tudo errado. Já pedi, solicitei ao presidente do Incra, que averigue todos esses casos”, disse o secretário, que anunciou um “pente-fino” em assentamentos de todo Brasil, para identificar irregularidades.
Fonte : G1