qui, 21 de novembro de 2024

Variedades Digital | 16 e 17.11.24

A fronteira nas telonas

Cinema: mesclando ficção e linguagem documental, longa-metragem “Casa Vazia” é filmado na Fronteira da Paz

A pobreza rural, a violência no campo e as consequências na vida de um peão desempregado que vive no pampa gaúcho. Este é o cenário aonde se desenvolve o longa-metragem de estreia do diretor Giovani Borba.
Em Casa Vazia, o protagonista é um não-ator, o ex-peão de estância Hugo Noguera – selecionado em um teste realizado com moradores da região. Ele contracena com atores consagrados, como Araci Esteves, Nelson Diniz, Roberto Oliveira e Liane Venturella, que também assina a preparação do elenco. Com produção da Panda Filmes, as filmagens foram realizadas no início de maio com locações em Santana do Livramento, no Rio Grande do Sul, e Rivera, no Uruguai.
O tema é retratado através da história de Raúl – homem de meia idade, de traços indígenas e gestos rudes, sujeito de poucas palavras e olhar melancólico. Um perfil que tipifica gaúcho que vive nos dias de hoje na região do pampa, uma savana que se estende a perder de vista, ondulada pelas sangas e coxilhas que traçam as flutuações, como um verde oceano. Na trama, a atmosfera de tensão traduz a violência velada. Um lugar pacato e melancólico, onde os crimes acontecem na escuridão das madrugadas.

De peão de estância a ator de cinema

O protagonista da história é o ator fronteiriço Hugo Nogueira, ex-peão, que hoje faz de tudo e vive de bicos. Tem 65 anos, é casado e tem 4 filhos – três homens e uma menina de 4 anos. Hugo somou-se ao projeto por ser justamente o tipo de ator que o diretor Giovani Nogueira estava à procura. Para Hugo participar das gravações e ser protagonista foi uma experiência única “Bueno, foi uma novidade. Nunca tinha feito. Não imaginava fazer um filme. Foi um luxo. Senti como se a minha família tivesse crescido. Aprendi muito e fiz muitos amigos. Foi uma oportunidade que tive e, se tiver outra, vou fazer. Foi lindo. No início era difícil porque não sabia nada. Mas as partes foram se encaixando. Fui melhorando, me acostumando com tudo. E, no final, já “tava” até achando fácil”.

Potencial para a produção cinematográfica 

O Giovani Nogueira, diretor e produtor gaúcho,é natural de Pelotas. Ele dirigiu o curta-metragem “Entre Dias” e o documentário “Banca Forte”, trabalhou como produtor e curador dos festivais de cinema “Sessão Plataforma” e “Cinema Itinerante”. Participou do “7º Campus de Talentos da BAFICI”, “4º Doculab no Festival Internacional de Cinema de Guadalajara” e também no “Brasil Cinemundi – Encontro Internacional de Coprodução”
Questionado sobre a escolha da fronteira para ser o pano de fundo do filme Casa Vazia, ele respondeu: – “Livramento, bem como muitas outras cidades da fronteira, sempre fizeram parte da minha vida, pois sou de Pelotas, e por isso, sempre andei pela região. A escolha da cidade para as filmagens se deu desde o segundo tratamento do roteiro, quando comecei a ambientar a história na fronteira, e tornando o personagem um peão desempregado, que vive no pampa. Livramento, por ter uma “fronteira seca” com Uruguai, me chamava atenção, e abria um leque de possibilidades narrativas muito ricas para desenvolver uma ficção. As paisagens remetem muito aos cenários de filmes western, com suas colinas, cerros, e planícies e toda sua tradição pastoril. As luzes, em certas épocas do ano, são fascinantes também. As pessoas e seus “causos”,e mais a mistura das línguas dos dois países também são um elemento cheio de vida e originalidade, coisas que eu trouxe muito para dentro do filme”.

Oportunidade para novos talentos 

Sobre como foi produzir o filme em Livramento, desde a escolha do elenco até os técnicos e produtores locais que trabalharam no filme disse: “- Acho que o cinema, pelo menos o cinema que me interessa ver e fazer, deve buscar originalidade e as particularidades do seu lugar. Desde o começo era muito claro para mim que eu trabalharia com pessoas da região, e que muito provavelmente, a maioria seria “não-atores” ou atores apenas com experiência no teatro amador. Em nenhum momento, me pareceu ser o tipo de filme para algum ator famoso de novelas ou coisa semelhante. Isso sempre esteve fora de cogitação. Tem gente que achava estranho quando eu dizia que isso não me seduzia. Inclusive, muitas pessoas não acreditavam ou não entendiam quando eu dizia que ia achar peões da região para fazer o filme. Acredito no potencial das pessoas simples, autênticas e com muita boa vontade. Isso sim pode ser um frescor para um filme.
Originalidade! Uma história que achei muito interessante é a do Lucas Daniel, um peão muito simples da região, que veio me contar que sempre gostou de filmes western, e que dizia para seus colegas que um dia faria um filme. Ele disse que sempre riam da cara dele. Hoje ele fez o filme.
Espero que os amigos dele aprendam a não duvidar dos sonhos das pessoas. Achamos o Hugo Nogueira, em Rivera, para ser o protagonista, e achamos um elenco maravilhoso para o filme na cidade de Livramento. Restou apenas compor com atores de Porto Alegre para fazer alguns personagens chave no enredo. Estas pessoas da cidade tiveram uma preparação para o filme, fizeram exercícios técnicos, ensaiaram e deram tudo de si, com muita espontaneidade.
O resultado no set deu muito certo, os atores fizeram lindamente os seus papéis e filmamos cenas muito bonitas e bem realizadas, pois tudo tinha muita verdade. Agora, é esperar os nossos próximos passos na montagem e na finalização do filme. A ideia é lançar no primeiro semestre de 2020”.

João Victor Montoli – [email protected]

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