Seminário sobre violência contra a mulher trouxe dados alarmantes sobre Livramento
As palestras aconteceram na noite de quarta-feira (13), no auditório da Câmara de Vereadores, e muitas das informações despertaram preocupação com relação à rede de proteção da mulher no Município, além da apresentação de dados sobre a violência no ano de 2018. A primeira a falar foi a advogada Natália Severo Carneiro,do Centro de Referência da Mulher. A advogada destacou a importância do trabalho e da assistência diária às inúmeras vítimas de violência, mas lamentou dizendo que faz o trabalho,praticamente,sozinha. “Estou sozinha no Centro de Referência, lá não há apoio ou ajuda e o trabalho feito com minha estagiária é um esforço de formiguinha”, disse a jovem advogada ao revelar as problemáticas existentes com relação à Rede de Proteção.
Natália ainda expôs um ponto preocupante que é sobre o primeiro atendimento feito na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA). Segundo Natália, a Delegacia não possui uma sala adequada para receber as mulheres vítimas de violência e os próprios servidores não possuem a sensibilidade apurada para tratar de um caso. Muitas mulheres quando chegam para fazer um registro são subestimadas ou menosprezadas. A própria vulnerabilidade financeira se torna também um problema no momento da mulher fazer o registro da violência e dar seguimento nas medidas protetivas. “Muitas mulheres procuram a Delegacia no desespero, logo após uma violência, mas muitas delas não conseguem romper o relacionamento com o agressor de forma rápida, isto é um processo e quando elas vão até à Delegacia é um grito de socorro, elas querem ajuda. Esse pedido de ajuda pode se repetir conforme as agressões e é preciso que a Rede de Proteção tenha esta sensibilidade de ouvir, orientar e ajudar, mulher nenhuma gosta de apanhar”, disse.
Natália destacou que a falta de sensibilidade durante o atendimento policial minimiza o fato e o crime, a vítima é colocada numa condição de ‘chata e inoportuna’ e a falta de sensibilidade está ligada também a agentes mulheres dentro da Delegacia.
Sobre o tema, a Delegada de Polícia Giovana Muller que também palestrou durante o Seminário, reconheceu a dificuldade do trabalho na DPPA, mas salientou que na Delegacia existe uma sala para atender estas mulheres e um computador para este fim, que foi adquirido, inclusive, mediante um esforço com o Poder Judiciário. A Delegada de Polícia, que responde pela DPPA apenas em situações esporádicas, fez o compromisso de verificar o porquê do atendimento não acontecer na sala reservada e que trataria do fato com a Titular da Delegacia Regional.
Giovana destacou que a Rede de Proteção da mulher muito antes de acontecer no papel precisa acontecer na sociedade, “precisamos falar sobre SORORIDADE. Pode ser uma palavra estranha, pouco conhecida, mas é o que precisa acontecer, nós,mulheres, precisamos construir uma empatia e solidariedade entre nós, as mulheres precisam respeitar a próxima, não julgar, não condenar, desconstruir estereótipos”, falou a Delegada. Seria a partir dessa sensibilidade construída entre as próprias mulheres que as mudanças ganhariam mais força.
Pela OAB e Comissão da Mulher Advogada falaram as advogadas Liane Caon e Carolina Normey. Liane destacou que a valorização da mulher, conquista de direitos, respeito e igualdade devem começar na educação. É na educação que uma nova visão de mundo e sociedade são construídas. Liane citou como exemplo a sua própria vida, ao revelar que decidiu casar e não ter filhos. A advogada, e também professora, contou que muitas pessoas, inclusive mulheres, ainda se surpreendem com a sua decisão e disparam a perguntar: “quem tem problema? Você ou seu esposo?” “Quem vai cuidar de você na velhice?”
Liane afirma que estas perguntas revelam muito sobre a sociedade atual e os estigmas que ainda marcam o casamento, a posição da mulher no casamento e sobre a educação. “Mulher não nasceu apenas com a finalidade de casar e procriar, a época em que mulheres eram propriedades passou, estamos numa nova era e nova geração precisa ser educada no sentido de respeitar a mulher e o papel que ela quiser exercer”.
A advogada Carolina Normey palestrou a partir de dados e informações colhidas no Judiciário e traçou um perfil da violência em Santana do Livramento, no ano de 2018. O estudo foi em parceria com o juiz GildoMeneguel responsável por atender os casos de Violência Contra a Mulher no Fórum local.
O período no ano em que cresce o caso de violência contra a mulher em Livramento é durante o verão. Segundo a advogada, especialista em Direito da Família, este aumento nos casos de violência pode estar associado ao aumento do consumo de bebida, à convivência mais estreita dos casais no período de férias e ao uso de roupas mais leves por parte das mulheres em razão do calor.
Em 2018, tramitaram 468 casos de violência contra a mulher, também cresceu o número de registros entre menores de idade, namorados adolescentes. A grande maioria dos casos registrados é em famílias de baixa renda ou em vulnerabilidade social. Também foram registrados casos de violência em relacionamentos homoafetivos de mulheres, onde uma das companheiras foi vítima de violência doméstica.
Outra análise feita pela advogada é que em quase 100% dos casos dos homens agressores, eles foram criados sem a presença da figura paterna, educados apenas pelas mães ou avós e isso reflete num comportamento ‘mimado, que não aceita não e é incapaz de lidar com frustrações’. A maioria dos casos de violência é motivada por sentimentos de posse e ciúme e, na visão de Carolina, a forma como a violência tem acontecido é ainda mais preocupante: “os homens agressores não estão apenas agredindo ou matando suas vítimas, os requintes de crueldade aumentaram, eles destroem, as mulheres ficam desfiguradas, são queimadas, destruídas e isso revela um ódio tremendo. É preciso refletir sobre isso com urgência e agir rápido. Estes sinais precisam de mais atenção”, falou.
Ainda sobre a violência e Lei Maria da Penha, a advogada Carolina chamou a atenção para o fato que uma porcentagem de mulheres tem usado a Lei ou pedido Medidas Protetivas de forma equivocada. “Não podemos banalizar a lei ou abarrotar o judiciário com casos não reais ou vingança de casais. Existem mulheres que vão até a Delegacia registrar queixas porque o ex-marido ou companheiro está com outra mulher, ou porque não quer que ele veja o filho, casos assim acabam saturando o sistema e os servidores da segurança que dedicam tempo e esforços com casos que não merecem atenção. Este mau uso da Lei acaba prejudicando a mulher que, de fato, precisa de atenção e proteção” afirmou.
Ainda durante a Palestra, a juíza Carmem Lúcia, representando o Judiciário, usou a palavra e pediu que mais atividades assim fossem criadas e que o público masculino também deveria participar. “É preciso levar este debate e reflexões para ambientes na sua maioria masculinos. Os homens precisam ouvir o que nós ouvimos hoje”, disse.
A vice-prefeita Mari Machado, também presente, lamentou que o Centro de Referência da Mulher esteja abandonado e lembrou que no ano de sua criação ele contava com uma equipe grande e que fazia, inclusive, o atendimento para o homem agressor também. Mari disse que a política é fundamental ferramenta para ajudar as mulheres e causas sociais e agradeceu ao vereador Marco Monteiro pela oportunidade de fazer o Seminário.
A Delegada de Polícia Civil, Giovana Muller, aproveitou o momento e também fez um pedido especial ao vereador e solicitou apoio e um esforço político no sentido de trazer para a cidade mais um Delegado(a) para assumir a DPPA. “A cidade carece de mais um delegado para atuar e trabalhar. Em janeiro fiquei responsável por seis delegacias, estamos sobrecarregados e a os políticos podem fazer esta pressão e ajudar a comunidade. Pressionar pela nomeação de mais um delegado para a cidade de Livramento é fundamental.
A atividade aconteceu em alusão ao Dia da Mulher e ao mês de março onde várias atividades relativas a políticas para mulheres, violência e direitos acontecem.
AGENDA
No próximo dia 22 de março acontecerá no Parque Internacional às 17h, uma palestra com a advogada Aline Eggers, Mestre em Direitos Humanos e especialista em Ciências Criminais. Haverá serviços gratuitos para a saúde, para a mulher, beleza e estética, mateada, sorteio de brindes e brinquedos para as crianças. Toda a comunidade é convidada. Uma promoção da Comissão da Mulher Advogada de Livramento com apoio da Prefeitura de Livramento.
O que é Sororidade:
Sororidadeé a união e aliança entre mulheres, baseado na empatia e companheirismo, em busca de alcançar objetivos em comum.O conceito da sororidade está fortemente presente no feminismo, sendo definido como um aspecto de dimensão ética, política e prática deste movimento de igualdade entre os gêneros.
Do ponto de vista do feminismo, a sororidade consiste no não julgamento prévio entre as próprias mulheres que, na maioria das vezes, ajudam a fortalecer estereótipos preconceituosos criados por uma sociedade machista e patriarcal.
A sororidade é um dos principais alicerces do feminismo, pois sem a ideia de “irmandade” entre as mulheres, o movimento não conseguiria ganhar proporções significativas para impor as suas reivindicações.
A origem da palavra sororidade está no latim sóror, que significa “irmãs”. Este termo pode ser considerado a versão feminina da fraternidade, que se originou a partir do prefixo frater, que quer dizer “irmão”.
Fonte: www.sigificados.com.br