Conheça Maureci Cavalcanti, o “Bocha” personagem vivo da história de Santana do Livramento
Maureci Cavalcante, ou para muitos, o Bocha, é um tradicional vendedor de jornais e revistas na cidade de Livramento. Maureci ganhou este apelido ainda criança, quando na companhia do pai freqüentava as quadras de Bocha, (esporte tradicional dos gaúchos), e como era gordinho, acabou ganhando o apelido de “bochinha” ou “bocha” pelo Padrinho, foi daí que este apelido acabou se tornando sua marca registrada e referência para uma das bancas de jornal e revistas mais famosas da fronteira.
Como tudo começou
Bocha teve seu primeiro contato com uma Banca de Jornal quando aos 13 anos a mãe o colocou para trabalhar como jornaleiro. Bocha conta que isto aconteceu porque ela tinha muito medo que o filho se tornasse um criminoso ou tivesse contato com drogas, e logo cedo incentivou o trabalho para o filho. No início Bocha tinha uma pequena estrutura de madeira para a Banca, depois das aulas na escola, tarde da noite, ele dormia dentro da própria banca para proteger o patrimônio e fonte de renda da família. O jovem até negociava revistas com um segurança próximo para ‘cuidar’ a banca enquanto ele estava na escola. Bocha dormia sozinho dentro da Banca apenas com a companhia de uma imagem de Nossa Senhora, que segundo ele o protegeu em muitas situações difíceis. Passado algum tempo veio o presente do senhor Guilherme Brizola que presenteou a família com uma banca de metal e a situação melhorou.
Conteúdo para todos
A revista que mais vendia há 40 anos na Banca do Bocha era a Manchete, com conteúdo para toda a família: pai, mãe, filha adolescente, “para todos”. Bocha brinca ao dizer que não fez herdeiros para Banca; pai de duas filhas, casado com a Rose, o amor pelos jornais e revista findará com o casal, “no dia que eu não puder mais trabalhar, a Banca do Bocha vai fechar e sei que não vai demorar muito assim”.
Maureci afirmou ainda que as pessoas estão fazendo a viagem de volta, “depois de alguns meses de crise, a comunidade está retornando ao papel” disse. “Antes vendia seis ou oito jornais, agora chego a vender 30 unidades do mesmo jornal por dia” e até traçou um perfil dos leitores e clientes da Banca: “O homem de 40 anos leva a Quatro Rodas, a Veja, Istoé, as senhoras levam Veja, e tem o público voltado para as revistas de Saúde, tem a gurizada com a Turma da Mônica e em março o retorno da Disney com a editora Futurama de Caxias do Sul”. Bocha fala com orgulho sobre cada título que tem na Banca e durante uma hora de conversa foi possível presenciar a chegada de cada um desses segmentos e o carinho que os leitores têm pelo casal.
As revistas que mais vendem durante a semana são Veja e Caras e confessa que os temas positivos e alegres são os responsáveis pelo maior número de vendas, superando tragédias e temas da criminalidade. “As pessoas querem ver fotos, acompanhar novidades e buscam isso nos jornais e revistas”.
A chegada da tecnologia, na visão do jornaleiro, atrapalhou a produção e venda de revistas de trabalhos manuais, os tutoriais antes impressos agora existem aos milhares na internet e no Youtube, todavia, notícias e curiosidades ainda ganham espaço nas páginas de outros títulos consolidados no mercado.
A cliente mais antiga
A cliente mais antiga do Bocha é uma senhora que toda semana compra a Revista Veja, sem falta, a Dona Tereza Costa, moradora do Prédio da Associação Rural, é como uma amiga para o jornaleiro que fala com emoção sobre a amiga e cliente que toda semana aguarda ansiosa pela revista da Banca do Bocha. “Se no domingo eu não levo a Revista para ela, já me liga e cobra querendo saber do atraso, ela está em meu coração”, disse.
Palavras cruzadas
Segundo Maureci, 20% das vendas da Banca do Bocha são fruto diretamente das cruzadinhas, um dos passatempos mais antigos e divertidos que fazem parte, inclusive, das páginas dos jornais como verdadeira tradição. Bocha fala com orgulho das Revistas e explica que estimular a mente é tão importante quando uma atividade física.
Um amigo apaixonado por livros e a “venda retornável”
Sem citar o nome, Bocha ainda lembra-se de um amigo do peito que, segundo ele, pode ser o maior colecionador de títulos e proprietário de uma das maiores bibliotecas particulares no Estado. “Ele não pode ver um livro sozinho numa prateleira que fica com pena e compra, já aconteceu comigo várias vezes”, disse. “Mesmo que ele já tenha o livro ele compra mesmo assim, porque não consegue ver um livro solitário à venda”.
Citando outros fatos curiosos, Bocha lembra de um cliente que comprava revistas e na semana seguinte trazia a edição e tentava negociar a compra de outra com um valor a menor, “ele queria fazer como quem compra refrigerante com casco retornável”, Bocha conta estas histórias com um grande sorriso e se emociona ao falar das quatro décadas de trabalho.
Jornal apenas para o ‘xixi’
Bocha fez uma revelação impactante para a reportagem, ele contou que tem clientes que compram jornais na Banca (de várias redações) apenas para forrar o local onde o cachorrinho faz xixi e que a escolha do jornal é feita por aquele que tem o maior número de páginas. “Não é o critério se absorve melhor, mas sim o que tem mais páginas, rende mais. Tem gente que leva duas ou até três edições do mesmo jornal, outros nem sequer lêem o conteúdo, usam apenas para o xixi” O fato foi motivo de muita risada, isto porque, durante uma das conversas um destes clientes apareceu na Banca.
Copa do mundo e Banca cheia
Em 2006 Bocha e a esposa Rose criaram um evento na Praça José Bonifácio para a troca de figurinhas para álbuns do Mundial da FIFA. O jornaleiro conta que nunca imaginaria que o evento tomaria grandes proporções, chegando a reunir mil pessoas nas tardes de sábado. Bocha afirma que a venda de figurinhas até pode cair, mas a venda de álbuns cresce proporcionalmente e não há melhor alegria do que ver os clientes de todas as idades e gerações finalmente preenchendo os álbuns. “São pessoas de todas as idades, avô, pai e neto que acabam vindo para a Praça, gente dos dois lados da fronteira, e a Banca acaba se tornando referência e ganha o carinho da comunidade, não tem coisa melhor”, falou. Bocha ainda lembrou a Copa de 2018 onde foi a primeira vez que um jovem participou da troca de figurinhas sem o avô que havia falecido há pouco tempo: “quando ele deu a volta na Banca e viu a galera reunida, as famílias, ele não resistiu e desabou a chorar” Bocha fala dessa relação com a comunidade que vai além do comercial.
Domingo, um dia especial
Bocha conta que a venda no Domingo é 100%, quem entra na Banca é na certeza de comprar e sem falar do movimento que é provocado nas proximidades. “Eu adoro trabalhar aos domingos e digo isso juntamente com minha esposa, a Rosa, que sempre pega junto e está do meu lado”, falou. “Ela não larga o pé pra nada, se atraca junto!”
As manchetes mais famosas
O produto que mais vendeu segundo o Bocha foi a Capa da Veja do Pedro Collor de Melo, a denúncia que levou ao Impeachment do ex-presidente. Segundo ele esta foi campeã de vendas juntamente com a Revista da PlayBoy, na capa a Feiticeira como destaque principal. Perguntado se ainda guardava um exemplar dessa edição histórica, Bocha disse: “infelizmente não”.
Segundo o Bocha, o produto que mais vendeu em menor tempo foi a revista do Almanaque Santanense, um produto local e que superou as expectativas. Foram exemplares vendidos num curtíssimo tempo, o que prova o amor do santanense pela leitura e pela própria cultura.
O primeiro Jornal que o Bocha colocou à venda na Banca, foi a A Plateia, muito antes da ZH e outros títulos famosos que também logo se tornaram produtos da Banca. A edição de A Plateia que Bocha mais vendeu até hoje foi a capa do assassinato dos taxistas. A edição foi na quinta de Páscoa, conta, mas o jornaleiro ainda precisou recorrer a mais pedidos no sábado para atender a demanda de vendas. Foram centenas de exemplares vendidos.
40 anos de banca
A atual localização da Banca do Bocha na Praça José Bonifácio é de 1995, no dia 29 de junho de 2019 completará 25 anos, antes disso a Banca ficou por 16 anos na frente do antigo Pegue e Pague e tudo começou com uma Banca de madeira na frente do Hospital Santa Casa de Misericórdia. O local existe até hoje.
Banca do Bocha e o carinho com os animais
Bocha e a esposa Rose ainda lembram com carinho de uma pomba que eles adotaram depois de salvá-la na Praça. Ela estava faminta e com o bico preso num chiclete. Bocha conta que após tratá-la ela se acarinhou do casal e vivia entre a natureza e a Banca, onde comia e tomava água. Mas esta relação de carinho e cuidado acabou quando todos os pássaros da praça morreram após alguém colocar veneno e todos os pombos morreram, inclusive a Chica. “A gente cuidou dela e fico conformado de saber que ela não morreu sozinha”. Hoje o casal cuida de um passarinho apelidado de Elvis que também procura a Banca para comida e água quase todos os dias. Bocha fala com orgulho do carinho que sente pelos animais, e fala que este exemplo foi seguido pelas filhas que também respeitam a natureza e os bichos.
Bocha abre a Banca todos os dias e está sempre presente, conversa com amigos, fala de futebol, política, atende de crianças até idosos e se orgulha do trabalho que mantém desde adolescente.
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