O vereador Enrique Civeira, o Neneco (PDT), é o único parlamentar santanense a ter publicado, no fim do ano passado, um diploma de “vereador mais atuante” em uma pesquisa feita pelo Instituto Tiradentes – empresa que está sob investigação do Ministério Público do Rio Grande do Sul por conceder premiações que são compradas por políticos. Em uma reportagem exibida no programa Fantástico, no domingo (5), o repórter da RBS TV Giovani Grizotti mostrou o comércio de diplomas de mérito para vereadores, prefeitos e secretários municipais.
Em uma publicação, no fim do ano passado, o vereador Neneco expõe o diploma recebido e deixa uma mensagem para o novo ciclo. “Mais cedo ou mais tarde, será preciso tirar as pedras do caminho para conseguir avançar”, escreveu.
Segundo a reportagem, um levantamento do Tribunal de Contas do Estado mostra que só no RS o Instituto Tiradentes faturou R$ 116 mil em 2016 e 2017, com três eventos. O Instituto até promove seminários junto com a entrega dos prêmios. Mas, o Ministério Público do Rio Grande do Sul acha que os seminários são apenas uma desculpa.
Além disso, o MP confirmou à Reportagem da afiliada da Rede Globo que que não existem critérios para escolha dos melhores gestores do Brasil, mas sim aqueles que se dispuseram a custear o lucro da empresa que promove os eventos. Grizotti ouviu ainda um especialista em gestão pública. Aloísio Zimmer disse se preocupar com as “fakenews” geradas como repercussão das premiações, especialmente em blogs e redes sociais, o que pode, inclusive, influenciar nas eleições. “Cria-se uma narrativa e até mesmo uma implantação de falsas memórias no cidadão que depois será eleitor, porque o prefeito passa uma imagem de bom gestor, de protagonista das soluções mais importantes da cidade, de que ele é alguém capaz de melhorar a vida da população”, disse Zimmer.
O Instituto Tiradentes afirmou, em nota à Reportagem da RBS TV, que não comercializa medalhas e diplomas de mérito, nem certificados de participação em seus seminários.
Um mandato marcado por denúncias abafadas
em 2018 quando Civeira foi para o Executivo
Ao longo da campanha política, em 2016, Neneco se destacou por ser um oposicionista ao prefeito Glauber Lima (PT), nas redes sociais. Mostrando os pontos fracos em infraestrutura, comunicação e diálogo do petista, o político conquistou votos na cidade. Ao lado de uma liderança política que tentara mais uma vez a sua vaga no Palácio Moysés Vianna – o candidato Ico Charopen – Neneco elegeu-se para a Câmara. Ainda no início de 2017, sem acerto na mediação com o vereador, o prefeito Ico Charopen escolheu a sua vice-prefeita, Mari Machado, para atuar como seu braço direito: secretária Geral de Governo, Planejamento, Meio Ambiente e Habitação, Mari esteve na formação das primeiras diretrizes da Administração fazendo a coordenação de vários projetos do Governo.
Sem opção
Com a escolha de Ico, Neneco foi praticamente obrigado a ficar no Legislativo Municipal, mas com um diferencial: fazendo oposição ao Governo que ele ajudou a eleger. Com cobranças e duras críticas à Administração conduzida pelo seu colega de partido, o vereador passou a cobrar. Em abril de 2017, por exemplo, o parlamentar denunciou escolas municipais que não tinham energia elétrica. Em frente à Escola Municipal de Educação Infantil Ivonete, com as contas atrasadas em mãos, o parlamentar cobrou soluções para que os alunos pudessem ter as aulas normalizadas, já que a instituição estava sem energia elétrica. O mesmo aconteceu meses depois na Escola Mundo Encantado.
Além da Educação, Neneco continuou a cobrar serviços que, na Administração de Glauber já havia deficiência, e no início do mandato de Ico pareciam estar sem soluções. Um deles é a infraestrutura urbana e rural. No dia 16 de junho, o parlamentar cobrou providências para a localidade conhecida como Upamaroti, onde os caminhões atolados já formavam filas. “Assim não dá mais… Hoje um caminhão tombou e foram 17 ovelhas mortas… Prefeito algo tem que ser feito, muita conversa e pouco resultado com as estradas rurais…Até quando”, questionou Civeira.
Base rachou “ao vivo”
Já no primeiro trimestre, mesmo deixando claro que não tinha motivos pessoais, Neneco passou a barrar todos os projetos encaminhados pelo Governo à Câmara de Vereadores. Em maio de 2017, o prefeito não resistiu à pressão e abriu o verbo no programa vespertino Conversa de Fim de Tarde e relatou o que estava acontecendo. O tema foi contraposto pelo vereador Neneco na edição do programa no dia seguinte, 11 de maio. Naquele dia, Ico e Neneco, além de outros parlamentares se confrontaram ao vivo na RCC FM, o que desencadeou ainda mais denúncias do parlamentar em desfavor do Governo.
Em junho, por exemplo, Enrique trouxe à Tribuna da Câmara de Vereadores, questionamentos sobre o funcionamento da Usina de Asfalto. No mesmo dia, o parlamentar disse que havia falado com o prefeito em uma reunião da bancada do partido e, assim como o mandatário, confirmou que no mês de setembro de 2017 a máquina estaria funcionando, inclusive um rolo compactador e um gerador de energia seriam adquiridos para o bom funcionamento da máquina. Contudo, até hoje o empreendimento de mais de R$1 milhão nunca funcionou.
Além da usina, outros temas, que até hoje não passaram de discursos meramente políticos na tribuna da Câmara, também foram cobrados pelo parlamentar. A licitação do transporte coletivo de passageiros é um deles, assim como medidas mais efetivas para a Santa Casa de Misericórdia, que segue atrasando os salários dos servidores.
Estratégia para chegar ao Poder
Os caminhos trilhados pelo vereador Enique Civeira para tomar posse em algum cargo no Executivo Municipal foram longos e estratégicos. No dia 2 de outubro de 2017, o parlamentar lembrou em sua rede social que fazia exatamente um ano que Ico e ele haviam vencido a eleição, garantindo o projeto que, na óptica de Civeira mudaria Livramento. “Como todos sabem ajudei de forma incondicional a campanha do Prefeito Ico Charopen. Um ano se passou e parece que nada mudou, os que ajudaram o Prefeito a se eleger muitos foram esquecidos”.
Na publicação, Civeira disse estar frustrado por ter acreditado e se envolvido no projeto encabeçado por Ico. “E ter hoje que conviver com um governo que não está aplicando nada do que prometemos para nossa gente. Os buracos aumentaram, os desvios de função continuam, o desmando continua, o DAE sendo novamente utilizado para tapar furos do Município, Ccs e contratos cada dia mais, estradas rurais intransitáveis, transporte coletivo precário, Santa Casa fechando de novo, UBSs sem médicos e por aí vai”, criticou.
Estratégia final
O mês passou e as críticas só aumentavam. Ainda em outubro, Neneco fazia de tudo para chamar a atenção do Executivo, fazendo com que o primeiro escalão do Governo o enxergasse como uma oposição. No Parque São José, o parlamentar entrava em buracos e gravava vídeos. Neneco disse ter denunciado, com 3 mil cópias no Ministério Público sobre o transporte escolar porque, segundo ele nenhum veículo tinha o serviço de rastreador GPS e havia ônibus de transporte de crianças que havia combustível junto com os passageiros. “Quero ver quem é que vai fazer alguma coisa, nós estamos cansados”, cobrou.
Denúncias com o carro oficial do Prefeito também vieram a público. Em um posto de combustíveis, o vereador fotografa, em um sábado à tarde, o Diretor de Cultura, Esporte e Lazer e Diretor de Obras Rurais. “O mais impressionante é que quando me viram o motorista saiu em alta velocidade”, relatou Civeira questionando quem conduzia o veículo tinha autorização para dirigir o carro oficial. Denúncias sobre o DAE também vieram a público: ainda em 2017, Neneco denunciou que o cofre da autarquia teria sido aberto e valores extraídos do local. O vereador disse ter levado ao conhecimento do Ministério Público, na época.
As denúncias entraram o último mês do ano de 2017 e foram endossadas pelo certificado expedido pelo Instituto Tiradentes que está sob investigação do Ministério Público do Rio Grande do Sul por conceder premiações que são compradas por políticos. No diploma, Neneco aparece como “o vereador mais atuante”, segundo uma pesquisa telefônica.
A Administração da “incompetência”
garante espaço para o novo secretário
Com a pressão sofrida durante mais de um ano, Ico cede e empossa, no dia 26 de março deste ano, Enrique Civeira como secretário Geral de Governo – posto ocupado, até então pela vice-prefeita Mari Machado. A partir daí, Mari foi exonerada de todos os cargos de confiança, sendo isolada apenas em seu gabinete, como Vice-Prefeita.
Mesmo depois das duras críticas, inclusive chamando a Administração de “Governo da incompetência”, Neneco e Ico se abraçaram e fizeram discursos como se nunca tivesse acontecido uma discussão entre eles. Civeira aproveitou para destacar que, em pouco mais de um ano atuando no Legislativo, passara a atuar de forma mais efetiva na gestão. “Há muito o que fazer! Iremos trabalhar efetivamente para começar a mudança no município, mas para isso precisamos trabalhar juntos”, disse na posse.
Ico, por sua vez, disse que a parceria selava um novo momento entre o Executivo e o Legislativo em prol, segundo Ico, do desenvolvimento do município. “Conseguimos avançar e alinhar o Governo com o apoio do Legislativo, e agora teremos uma interlocução direta da Câmara com a Prefeitura, através do novo Secretário”.
Apesar da presença de Civeira no Governo, que já completou quase 5 meses, poucas promessas de campanha se concretizaram. Sobre as denúncias feitas durante 1 ano e quase três meses na tribuna da Câmara de Vereadores, simplesmente foram apagadas, como se jamais tivessem acontecido. Contudo, mesmo com a nomeação de Civeira, ações cobradas por ele, quando vereador, ainda não se efetivaram: a usina de asfalto ainda não funcionou; escolas – como é o caso da Mundo Encantado, nesta semana – continuam com falta de energia; grande parte das estradas rurais continuam sem a devida manutenção; na cidade, a maioria das ruas estão esburacadas; o transporte coletivo, com suas falhas, continua sem licitação; e a Santa Casa continua sem solução.